Você se lembra de Josie Totah, o garotinho Myion em Glee e Michael Patel em Champions? Nesta segunda-feira (20), a Time publicou uma carta aberta onde a atriz de 17 anos, que até então era vista como um homem gay, se assume como uma mulher transexual.
Foto: Divulgação
Confira a carta onde Josie Totah se assume como uma mulher transexual:
“Atuar sempre foi minha paixão. Eu sou grata por papéis que eu pude interpretar em séries como Champions, e eu sei que tenho sorte de poder fazer o que eu amo. Mas também sinto que me deixei levar para dentro de uma caixa: ‘JJ Totah, menino gay’. Quando eu era muito jovem, crescendo em uma pequena cidade no norte da Califórnia, as pessoas simplesmente assumiam que eu era gay. No playground, eu era o tipo de pessoa que queria cantar com as meninas, não jogar futebol com os meninos. Então eu me vi desempenhando esse papel assim que entrei na indústria do entretenimento e as pessoas continuaram assumindo minha identidade. Numerosos repórteres me perguntaram em entrevistas como era ser um jovem gay. Eu mesma fui apresentada assim antes de receber um prêmio de uma organização de direitos LGBTQ+. Eu entendo que eles realmente não sabiam. Eu quase senti que devia a todo mundo ser aquele menino gay. Mas nunca foi assim que pensei sobre mim mesma. (…) Meus pronomes são ela e dela . Eu me identifico no feminino, especificamente como uma mulher transexual. E meu nome é Josie Totah. Isso não é algo que acabou de acontecer. Esta não é uma escolha que eu fiz. Quando eu tinha cinco anos, muito antes de entender o significado da palavra gênero, eu sempre dizia à minha mãe que desejava ser uma menina. Quando eu pude falar em frases completas, e eu dizia coisas como “me dê um vestido!”, eu sempre soube de alguma forma que eu era mulher. Mas isso se cristalizou cerca de três anos atrás, quando eu tinha 14 anos e estava assistindo a série A Vida de Jazz com minha mãe. A série era sobre Jazz Jennings, de 14 anos, uma adolescente transgênero que estava passando pela transição médica. Quando eu aprendi mais sobre a terapia de reposição hormonal, eu sabia que isso era o que eu tinha que fazer. Eu olhei para ela no meio da série e disse: ‘esta sou eu. Eu sou transexual e eu preciso passar por isso’. Minha mãe, que é incrivelmente solidária e gentil, disse: ‘ok, vamos fazer isso’. Três dias depois, eu estava me encontrando com meu pediatra, que me encaminhou a um especialista, que me passou um bloqueador hormonal. Daquele ponto em diante, eu fui acelerando as coisas. (…) Ainda há coisas que me assustam. Documentos de identidade podem ser difíceis para pessoas transgêneras mudarem. Eu tenho medo daquele momento em que alguém olha para o ID, olha para a foto, olha para o marcador de gênero – olha para você. Eu nunca quero sentir que não sou permitido em algum lugar por causa de quem eu sou. Estou com medo de que ser transexual me limite dessa maneira. E tenho medo de ser julgada, rejeitada, de me sentir desconfortável, de que as pessoas olhem para mim de maneira diferente. Mas quando meus amigos e familiares me chamam de Josie, sinto que estou sendo vista. É algo que todos querem, sentir-se compreendido. E, como uma pessoa semi-religiosa que frequentou a escola católica, passei a acreditar que Deus me fez transgênero. Eu não sinto que fui colocada no corpo errado. Eu não sinto que houve um erro cometido. Eu acredito que sou transexual para ajudar as pessoas a entender as diferenças. Isso me permite ganhar perspectiva, aceitar mais os outros, porque sei como é saber que você não é como todo mundo. Quando eu estava em Glee, eu ficava observando Lea Michele. Ela era fabulosa. E foi divertido vê-la e as outras garotas usando vestidos e fazendo números musicais luxuosos. Mas também foi difícil, porque eu queria que fosse eu. É um sentimento que experimentei em quase todos os projetos em que trabalhei. Esta semana começarei a fazer a faculdade. Eu também vou continuar minha carreira de atriz, e estou muito animada para fazer as duas coisas sendo eu mesma. Eu pretendo interpretar papéis que não tive a oportunidade de interpretar. E eu só posso imaginar o quanto será mais divertido interpretar alguém que compartilhe minha identidade, em vez de ter que me contorcer para interpretar um garoto. Eu vou preparada para esses papéis, seja de uma mulher transgênero ou de uma mulher cisgênero. Porque é um quadro em branco – e um novo mundo.” E aí, o que você achou de Josie ter assumido seu verdadeiro eu? Estamos felizes por ela e esperamos que, cada dia que se passa, menos pessoas sejam pressionadas a ser alguém com quem não se identificam.
Que Josie sirva de inspiração para diversas pessoas que não se sentem representadas pelo seu papel de gênero -Foto: Getty Images
Entenda melhor sobre o que é ser transexual, transgênero e a diferença entre os dois:
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Segundo o psicólogo Breno Rosostolato, transgêneros são todos aqueles que não se identificam com o gênero que socialmente são indicados como “certos” de acordo com o seu sexo. “É um conceito dentro de uma realidade social em que as pessoas possuem gêneros (homens/masculino ou mulher/feminino)”, explica -Foto: Shutterstock
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Dentro desse contexto, as pessoas estão acostumadas a se expressarem socialmente como mulher ou homem (expressão de gênero) e se comportarem como mulher ou homem (papel de gênero), a partir do que a sociedade impõe como “coisas de mulher” e “coisas de homem”, através das roupas que usa, a maneira de se comportar e aparentar -Foto: Shutterstock
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Assim, reconhece-se como mulher ou homem a partir do comportamento e gostos (identidade de gênero), o que nem sempre corresponde ao gênero apontado no nascimento, ou seja, associado ao órgão genital. Transgêneros são pessoas que possuem identidade, papel social ou expressão de gênero diferentes do que lhes é imposto pelas regras impostas -Foto: Shutterstock
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As regras impostas envolvendo gênero são chamadas de cissexismo. Nada mais é do que a noção de que só existe um tipo de corpo e que só se admite o binarismo sexual, ou seja, ou só se pode ser homem ou mulher. Tudo isso é reproduzido desde que a gente nasce, quando, em caso de meninas, são dadas roupinhas e brinquedos rosas e coisas que as pessoas acham “de mulher”, como panelinhas e bonecas -Foto: Shutterstock
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Identidade de gênero é como a pessoa se sente e se reconhece no mundo. Como sua identidade é constituída e tem a ver com gênero. Orientação sexual é como a pessoa direciona seu desejo e prazer, logo, uma mulher trans pode ser heterossexual, homossexual, bissexual ou assexual. Ou seja: identidade de gênero e orientação sexual não estão ligadas -Foto: Shutterstock
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A homofobia é o preconceito associado ao desejo da pessoa por alguém do mesmo sexo. A transfobia é o preconceito relacionado a um corpo definido pelo genital, e que não corresponde a como a pessoa se sente -Foto: Shutterstock
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“Acho que é indelicado e inapropriado especular sobre a vida de uma pessoa trans. Sobre seu corpo, prática sexual, a não ser que a pessoa te permita a isso e autorize. A sociedade possui uma concepção errônea de invadir a vida do transgênero e vê-lo como exótico. Ninguém fica perguntando sobre o meu corpo ou sobre minha sexualidade, portanto, a maneira de reconhecer um transgênero é deixar com que ele se diga e se autodenomine como um”, explicou Rosostolato -Foto: Shutterstock
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Participe de debates, discussões sobre as questões, dificuldades e conflitos que vivem outras pessoas na mesma situação. Não se sinta sozinha ou excluída. A transgeneridade é uma realidade histórica, verdadeira e legítima. Precisamos falar cada vez mais sobre o assunto -Foto: Shutterstock
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Você pode ainda procurar um lugar em sua cidade que atenda pessoas trans. Em São Paulo, dois lugares de referência acolhem as pessoas trans e familiares. O primeiro é o Hospital das Clínicas. O outro, o mais recente inaugurado Núcleo de Estudos, Pesquisa, Extensão e Assistência à Pessoa Trans -Foto: Shutterstock
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O psicólogo explica que o apoio é muito importante neste momento, assim como informação e conhecimento. “Conhecer é a melhor maneira de combater o preconceito e acolher as pessoas trans”, lembra -Foto: Shutterstock
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“Sim. É importante a avaliação, até porque, existem casos de pessoas que se arrependeram depois e o conflito torna-se ainda maior, mas é preciso elucidar uma questão importante. Muitas pessoas acham que todo transexual é aquele que vai realizar a cirurgia de mudança de sexo, e não necessariamente.”, explica Breno -Foto: Shutterstock
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“Existe uma concepção equivocada que o transexual odeia seu genital, e não é verdade. Muitos convivem bem com o órgão genital. A transfobia é aquela que faz com que transgêneros sejam constantemente indagadas pelo seu corpo, se fez ou não a cirurgia. São classificadas como pessoas que nasceram ‘no corpo errado’ ou suas identidades vistas como fetiches”, completa o psicólogo -Foto: Shutterstock
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Para as pessoas que querem fazer a cirurgia, a dura realidade do país não é nem um pouco confortável. Primeiro que existem poucos profissionais que entendem sobre transexualidade e sabem acolher esta demanda, além da dificuldade de encontrar profissionais adequados que sabem receitar hormônios corretos para cada corpo -Foto: Shutterstock
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As pessoas trans aguardam anos na fila para realizarem a cirurgia, o que causa grande sofrimento. Necessitam de laudos para atestar quem de fato são. “O Brasil precisa rever alguns procedimentos e protocolos. O transgênero que quer fazer a cirurgia não tem esse tempo todo”, comenta o especialista -Foto: Shutterstock
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O SUS (Sistema Único de Saúde) reduziu a idade mínima na rede pública de 18 para 16 a idade para início do tratamento hormonal e psicológico. Para a cirurgia de mudança de sexo, de 21 para 18 anos. “O uso de hormônios é algo delicado e que necessita de atenção, cuidados e muita pesquisa e debates. Cada caso deve ser analisado com cautela”, aconselha Breno -Foto: Shutterstock
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O Conselho Federal de Medicina (CFM) decidiu que adolescentes transexuais têm direito a realizar tratamento hormonal antes da puberdade, desde que possuam orientação médica e autorização dos responsáveis. Isso porque muitos jovens recorrem à tratamentos clandestinos por falta de uma legislação mais adequada -Foto: Shutterstock