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Criadora do “Vulva Negra”, 1° projeto feminista raiz e negro do Brasil, Yasmin Morais conta tudo sobre publicação de novo conto

Exclusiva: criadora do "Vulva Negra", primeiro portal feminista radical e negro do Brasil, Yasmin Morais fala sobre a publicação de seu novo conto
Exclusiva: criadora do "Vulva Negra", primeiro portal feminista radical e negro do Brasil, Yasmin Morais fala sobre a publicação de seu novo conto

Yasmin Morais é, de fato, uma pessoa ilustre. Escritora, atriz, discente em Jornalismo na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Em 2017, ela estreou no espetáculo De Ponta Cabeça: Baobá e tornou-se integrante do projeto literário Escritoras Negras da Bahia. Em 2018, deu origem a um dos mais importantes projetos feministas radicais e negros do Brasil, o Vulva Negra – que já conta com mais de 20 mil seguidores nas redes sociais.

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Yasmin também é integrante da antologia literária Tributo aos Orixás, publicada pela Darda Editora e integrou igualmente a coletânea fotográfica e literária Profundanças 03. Ela é a primeira finalista do Prêmio Malê de Literatura 2019 e uma das vencedoras do 1ª Prêmio Neusa Maria de Jornalismo.

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Além de ser uma figura influente que discute e aborda a ressignificação feminina, dando ênfase à vivência das mulheres pretas, Yasmin – que escreve poesia mas que também é “irremediavelmente apaixonada pela prosa” – terá seu primeiro conto, Luana, publicado na primeira coletânea literária do Diálogos Insubmissos de Mulheres Negras, em parceria com a Andarilha Edições, que escreveu quando tinha dezessete anos.

Em entrevista exclusiva à todateen, Yasmin discorreu sobre suas motivações nas redes sociais, deu detalhes sobre seu novo lançamento e discutiu, acima de tudo, sobre a arte que corre em suas veias.

Confira!

Você é conhecida pelo primeiro portal feminista radical e negro do Brasil, o Vulva Negra. Como o projeto começou?

Originalmente, o projeto Vulva Negra foi fundado em dezembro de 2018. Entretanto, atuo no segmento feminista radical desde 2017, após ter ingressado na revista QG Feminista, minha primeira casa no âmbito feminista radical. Nesta coletiva, tive acesso à inúmeras obras teóricas feministas e conhecera algumas mulheres inspiradoras, que foram essenciais em minha formação feminista. Produzo artigos para a revista QG Feminista há alguns anos. Entretanto, a baixa incidência de mulheres pretas, mestiças e indígenas nos coletivos feministas radicais, sempre gerou imenso desconforto. Afinal, a constituição da classe feminina brasileira dá-se a partir da participação integral de mulheres racializadas que carecem de ser pauta central em movimentos que propõem a emancipação feminina. Pois, somente através de uma avaliação social e teórica multifatorial, que aborde não somente a opressão com base no sexo e na classe, mas sim, igualmente nas questões étnico-raciais, poderemos estruturar um panorama verdadeiramente plural e congruente com a experiência de mulheres brasileiras.

E, com base neste desejo, fundei o projeto Vulva Negra. Pois, mulheres racializadas foram historicamente invisibilizadas nas produções teóricas e organizações feministas radicais, gerando um cenário no qual jovens negras feministas radicais não estivessem seguras ou politicamente representadas. Após o surgimento do Projeto Vulva Negra, inúmeras mulheres racializadas estão a declarar-se feministas radicais e a iniciar seus próprios projetos. Perceber a importância política do Projeto Vulva Negra oferece-me alegrias infindáveis. Atualmente, somos mais de vinte e quatro mil — não poderia estar mais feliz!

Você sempre teve interesse em divulgar informações e propagar conhecimento na internet?

No way! (risos). Anterior a filiar-me à QG Feminista, somente utilizava as redes sociais a fim de manter contato com amigos, família — e paralelamente mantinha o blog Minha Doce Paranoia, site no qual publico poemas, contos e crônicas desde 2015 — entretanto, jamais houvera cogitado utilizar as redes sociais no intuito de propagar o conhecimento que possuo. Sempre fui imensamente enamorada da produção de conhecimento e do universo acadêmico. Ávida leitora que sempre fui, ainda na adolescência devorava obras literárias, sociológicas, filosóficas e posteriormente aprofundei-me nos estudos feministas e étnico-raciais. Contudo, jamais houvera considerado a possibilidade de transformar todo aquele capital intelectual em produções acessíveis e partilháveis, até o momento em que iniciei os primeiros artigos na QG Feminista e tornara-me completamente fascinada pela ideia de afetar positivamente a experiência de vida de outras mulheres através de meus escritos.

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Na sua opinião, qual a importância de termos cada vez mais mulheres negras compartilhando suas experiências?

Primeiramente, faz-se necessário reconhecer o fato de que mulheres negras constituem os mais variados segmentos da sociedade brasileira e ofertaram contribuições estimáveis às ciências, políticas, cultura, artes e educação. Em minha concepção, uma das maiores vitórias quanto ao crescimento da visibilidade alcançada por mulheres negras, trata-se de repararmos aquilo que a autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie intitula “história única”. Durante séculos, mulheres negras foram estereotipadas, violadas e alocadas em espaços sociais subalternos. A história hegemônica insiste em nos categorizar como mulheres de segunda classe, enquanto o Estado brasileiro — concomitantemente patriarcal, racista e classista — lança o seu jugo sobre nós. Ainda somos as maiores vítimas de violência sexual e doméstica. Ainda enfrentamos dificuldades sistemáticas a fim de ingressar no mercado de trabalho. Ainda somos as maiores vítimas de hiperssexualização infantil.

Ademais, somos plurais. Versamos a respeito de inúmeras temáticas e possuímos personalidades distintas e singulares. Mulheres são muito mais do que o imbricamento das opressões sociais. Deste modo, quando as mulheres negras finalmente deixam de ser concebidas enquanto objetos de estudo, mas sim, tornam-se agentes de sua própria história, percebemos o despontar de uma nova onda revolucionária.

Você já vê diferenças, conversando com suas seguidoras, por exemplo, do impacto que o Vulva Negra causa na vida delas?

Sim, felizmente! Desde a sua fundação em 2018, o projeto Vulva Negra tem sido acolhido pela comunidade feminista radical e por demais segmentos, como feministas negras e ativistas antirracistas. O público possui uma diversidade encantadora. Meninas, adolescentes, jovens e mulheres maduras de todas as idades e etnias, acompanham o projeto e partilham as suas experiências através do Direct, comentários e depoimentos. A felicidade é-me sempre imensa. Pois, o objetivo do Vulva Negra sempre será ofertar conhecimento e apoio à classe feminina. Tenho priorizado mulheres em todos os segmentos da minha vida e faz-me muito bem. Dentre as inúmeras histórias, as mais marcantes se tratam dos depoimentos de mulheres que conseguiram libertar-se da violência doméstica, denunciar seus agressores, aprender mais a respeito da teoria feminista radical e, sobretudo, estar mais próximas de sua emancipação.

Pois, como dizia a feminista e poeta Audre Lorde: “Não serei livre enquanto alguma mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas”.

Rawpixel/Andreza Mona

Você também é escritora e apaixonada por literatura. Como isso começou?

Esta história se iniciou quando ainda era um ser em formação no útero de minha mãe. Segundo ela, ao chegar do trabalho, o meu pai sempre lia trechos da obra Dom Quixote para mim. E eu, como uma boa leitora, simplesmente adorava e movia-me sem parar! (risos) Desde então, mantenho uma paixão singular pela Literatura. Costumava ler inúmeros livros durante a adolescência, ademais, produzia poemas e escrevia as tão famosas fanfictions que partilhava na web. Aos quinze anos decidi fundar o meu blog literário, no qual partilhava poemas e contos autorais. E, a partir disso, passara a investir massivamente em minha carreira literária. Escrevia e realizava exercícios literários diariamente. Até os dias atuais, mantenho os cadernos recheados de contos, poemas e projetos de futuros livros os quais ainda planejo escrever e lançar. Sempre pulsei, respirei e transpirei Literatura. Penso que isto é parte do meu lugar no mundo.

Qual sua parte favorita de escrever?

A parte em que minha alma ganha vida. Sempre afirmo que, anterior a qualquer título, sou uma escritora. Esta é uma dentre as essências da minha alma. Escrever é o propósito que oferto à existência diariamente. Adoro escrever como adoro respirar. Em minha concepção, a Literatura trata-se de uma das maiores experiências estéticas da vida. Sinto-me tão viva quando estou escrevendo. A escolha das palavras, a aplicação das técnicas que estudo e desenvolvo há anos, os cenários, as imagens, — até mesmo as temidas fichas de personagens —, a crítica. Todo o processo! Escrever torna-me vívida. Adoro a possibilidade de edificar novos mundos e fascinar outros seres humanos através da Literatura.

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Além de poeta, você também se dedica à prosa e terá um conto publicado! Quer falar um pouco sobre ele?

Sim! Apesar de aparentemente dedicar-me mais à poesia, sou uma escritora irremediavelmente apaixonada pela prosa. As minhas primeiras experiências literárias públicas surgiram a partir da produção de romances e suspenses publicados no submundo da Web. (risos) A obra a ser publicada na primeira coletânea literária do “Diálogos Insubmissos de Mulheres Negras”, será “Luana”. Escrevi este conto aos dezessete anos e, até o momento, se trata de um dos meus favoritos. Na história, uma mulher vê-se perdida em meio aos seus infindáveis afazeres e busca, incansavelmente, um sentido que posteriormente descobre estar dentro de si. Mesmo após os anos, a história ainda me agrada. Valorizo imenso esta característica atemporal da produção literária. Ademais, será uma honra compor a primeira coletânea literária deste projeto encantador!

Como você está se sentido em saber que terá um conto publicado?

Sinto-me radiante, em um bosque florido e encantado, indiscutivelmente viva! (risos). Cada publicação possui a sua faceta mágica e profundamente pessoal. Afinal, dedico-me imenso a todas as obras que trago ao mundo. Ao contrário do que alguns costumam pensar, a escritora não se trata de uma figura solitária e egoísta. Se escrevemos, o fazemos a fim de atingir positivamente o coração de cada leitora e leitor. Pois, a Literatura possui em si este poder quase cósmico de nos trazer à vida através dos meios mais radiantes possíveis. Deste modo, a experiência da publicação, — por mais que possua a sua faceta igualmente burocrática — carrega consigo uma magia singular. Esta experiência está a ser imensamente satisfatória e surpreendente, pois, será o meu primeiro conto publicado em uma coletânea. (rindo como se tivesse borboletas no estômago). Anterior a essa coletânea, alguns de meus poemas já haviam sido publicados nas obras Profundanças 3 e Tributo aos Orixás. Contudo, independentemente de quantas publicações tiver, todas sempre far-me-ão sentir em um bosque florido.

Qual a importância de termos mulheres escrevendo e ganhando força no cenário nacional?

Mulheres foram sistematicamente apartadas da produção intelectual e literária ao longo dos séculos. Contudo, apesar do monopólio masculino sobre a escrita, sabe-se que o primeiro ser humano a escrever um romance, se tratou de uma mulher japonesa chamada Murasaki Shikibu. No Brasil, a primeira pessoa a publicar um romance se tratou igualmente de uma mulher, Maria Firmina dos Reis. Entretanto, apesar do pioneirismo feminino, a escrita ainda é considerada um território masculino, através do qual homens produzem sentido acerca da vida de mulheres. Afinal, personagens sexualizadas, estereotipadas e cujo único anseio é agradar o personagem principal, tratam-se de uma constância nas produções literárias universais. O olhar masculino sobre as mulheres na Literatura, edifica discursos que nos prejudicam socialmente. Deste modo, quando mulheres se tornam escritoras e estabelecem os seus próprios discursos a respeito de si mesmas, do mundo, da ficção, da poesia — e de todos os gêneros literários — vivenciamos uma reparação histórica a qual enriquece a literatura nacional e nos proporciona narrativas fantásticas, ricas e indiscutivelmente humanas.

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Como mulher negra, qual a principal dificuldade que você enfrenta por ser escritora em um país como o Brasil?

Se mulheres foram sistematicamente apartadas da produção intelectual e literária, mulheres negras foram duplamente apartadas. Afinal, em decorrência da afromisoginia, que se trata da dupla opressão racial e sexual infligida às mulheres negras, fomos alocadas enquanto indivíduos ignorantes e empobrecidos intelectualmente. Como a escrita se trata de um espaço de poder, tentaram continuamente nos afastar desse ofício. Afinal, estaríamos a desenvolver narrativas, transmitir conhecimento e realizar modificações neste cenário. Para além de dificuldades financeiras, pois muitas dentre nós não possuem condições econômicas para custear o processo de publicação, há questões mais complexas, como o marketing de vendas e obter a atenção de médias ou grandes editoras. Conquistar o público torna-se igualmente mais complexo.

Contudo, em minha concepção, uma das maiores dificuldades reside em fugir dos estereótipos raciais. Afinal, sendo escritoras negras, espera-se que escrevamos somente acerca de questões raciais, ancestralidade, afrofuturismo ou feminismo negro. Quando em verdade, muitas de nós estão a escrever horror, sci-fi, romances de época, suspense e poesias com temáticas diversas. Como escritoras, desejamos ser percebidas enquanto indivíduos complexos e capazes de escrever a respeito de quaisquer temáticas. Não seremos limitadas pela etnia ou pelo sexo.

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Quais são suas principais referências/autores favoritos?

Como uma boa ratinha de biblioteca, as minhas maiores referências literárias tendem a ser as autoras e autores clássicas e clássicos da literatura mundial. Desde a infância, sempre tivera um fascínio quase absoluto por cenários góticos, instigantes, suntuosos, dramáticos, vintage e cottagecore. Ademais, uma obsessão por mitologias, principalmente a greco-romana, que se faz presente em meus poemas continuamente. Sou uma ninfa, uma ninfa do rio! (risos).

Um de meus maiores anseios enquanto escritora, sempre será pintar estes afrescos e cenários feéricos, profundos e cintilantes através da musicalidade que brota das palavras. “Evocar imagens cintilantes” — parece-me uma boa definição para o que a minha poesia é, neste agora. Se fosse citar algumas referências, primeiramente citaria Mary Shelley e seu Frankenstein o qual li aos quatorze anos. Inspirou-me em contos, como: “A morte de si mesmo” e refinou a minha percepção a respeito da subjetividade dos personagens.

L. M. Montgomery me ensinara que a natureza poder-se-ia tornar uma pintura vigorosa, ainda que utilizasse palavras ao invés de tinta em óleo. Oscar Wilde e seu Dorian Gray fizeram-me opulenta e viciada em figuras douradas, juntamente às produções mitológicas gregas. Vladimir Nabokov, o meu favorito, fizera-me apaixonada por musicalidade rítmica nos textos em prosa. Lana del Rey deu-me a maçã dourada e Rita Santana deu-me o resto.

Rawpixel/Andreza Mona

Sobre o futuro, quais são seus planos? O que temos vindo por aí?

Ah, o futuro! Estou realmente animada para ele, sim? (risos). De momento, estou a produzir conteúdo literário em minha conta no Instagram, @yasminescritora, e a trabalhar no meu primeiro livro solo. Esta é uma experiência simplesmente divina. Tenho estado enamorada de cada um dos poemas e sinto que jamais estive tão imersa em meu próprio trabalho e em minha essência pessoal. O livro já possui um título, identidade visual e está prestes a ser finalizado. Há imensa influência mitológica e a participação de uma figura pela qual sou fascinada, Perséfone, a rainha do submundo. Há muito dela nesta obra. Escrever me torna imensa. Adoro cada uma das sensações evocadas. Ademais, tenho trabalhado em um futuro romance, já possuo esboços e personagens. Esta obra certamente exigirá muito de mim, e já estou ansiosa para isso. Tenho estado feliz e desejosa por trazer esta nova história à vida. “Eu sou Eu, escrevendo”. — Defino-me assim.

Quer deixar uma mensagem para todos os leitores e jovens escritores que te acompanham?

Vocês são tudo e todas as coisas. Não há escritora sem que haja leitoras e leitores. Não há Literatura sem que haja vossos rostinhos apaixonados e olhares vívidos sobre a folha de papel ou a tela dos leitores digitais. A vossa paixão alimenta-me até os ossos, me faz viva. Cada elogio, crítica e partilha de experiências, enriquece-me enquanto escritora e leitora. Temos imenso em comum, sim? Adoramos Literatura. Adoramos musicalidade. Adoramos ser acalentados pelas palavras. Aos jovens escritores, um brado: jamais desistam! Estudem, preparem-se, aperfeiçoem a técnica, sejam apaixonados, vívidos, criativos, dedicados — utilizem a juventude e o tempo ao vosso favor.

Sabemos que esta é uma trajetória intrépida e por vezes solitária, porém, não esqueçam-se: “a ajuda está a caminho”.

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