Desde que Demi Lovato afirmou que se identifica como uma pessoa não-binária e, portanto, adotaria os pronomes they/them, a discussão sobre linguagem neutra se intensificou entre nós, falantes da língua portuguesa. Afinal, existe no português uma forma de se referir às pessoas sem demarcar gênero?
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De acordo com a norma culta, a resposta é sim. Nossa língua deriva do latim, que conta com três definições de gênero, o masculino, feminino e neutro, porém, devido às semelhanças morfossintáticas, houve uma fusão entre masculino e neutro, portanto, a única marcação de gênero na língua portuguesa seria no feminino. Isso significa que nosso masculino também demarca neutralidade de gênero.
“Gênero gramatical é o gênero da palavra, não o gênero da pessoa. Logo, não é possível criar objetivamente um novo pronome para atender a uma necessidade de neutralização. Isso porque, em Português, o ‘masculino’ não é ‘menino’. Trata-se de uma forma neutra, o único gênero que possui marcação, desinências específicas para isso, é o feminino”, explica o doutor em letras Pablo Jamilk.
O profissional pontua que alterações em nosso sistema linguístico podem ser realizadas, porém, quando se trata da norma culta – que inclui documentos oficiais, por exemplo – é mais complexo de formalizar tais mudanças, visto que requerem cerca de 30 anos para a aprovação, que deve incluir um novo acordo ortográfico para entrar em vigor.
Entretanto, existem discussões sobre como nossa língua reflete uma estrutura patriarcal, as quais englobam questionamentos sobre o uso do masculino genérico. Portanto, há quem deseje optar por uma linguagem neutra sem precisar aderir às terminações em “o”, por exemplo.
Segundo a professora de língua portuguesa da Camino School, Marília Magalhães Cunha, uma boa forma de seguir adotando a norma culta é pensar em sinônimos que terminem em “e”. “Costumo dizer que a língua é viva e acompanha a História, ou seja, adapta-se de acordo com o momento em que estamos. Talvez um caminho seja optar por essas soluções vigentes. Ao invés de professor ou professora, podemos dizer ou escrever docente. No lugar de aluno ou aluna, o termo estudante soa mais neutro”.
E se a gente questionar a norma culta?
Muitos ativistas LGBTQIAP+ defendem a substituição do masculino genérico por uma nova forma de neutralidade. Não se trata do uso de “x” ou “@”, que não são pronunciáveis e excluem da comunicação pessoas que usam softwares de leitura.
Cup, youtuber não-binárie, explica que podemos substituir por “u” quando a forma neutra seria demarcada por “e”, bem como adotar o “e” quando seria utilizado o “o”. “A convenção mais popular é o uso dos pronomes pessoais elu (pronuncia-se ‘êlu’ ou ‘élu’). A mesma mudança aconteceria com outros pronomes, como seria o caso de ‘aquelu’, um pronome demonstrativo. Em outros casos cujas formas seriam o uso de um ‘o’ e ‘a’, a convenção seria o uso do ‘e’, como o pronome indefinido ‘outre’, alternativa para ‘outro’ ou ‘outra’”.
“Eu percebo que, especialmente ao se referir a pessoas que se identificam com essa linguagem, muites ficam receoses com os eventuais erros que podem cometer. Minha dica é para não se incomodar tanto com isso. Sabemos que não é de uma hora para outra que nos acostumamos com uma nova forma de comunicação. Existir o esforço já é um grande passo, e é bem reconhecido, mesmo que por ventura ocorram alguns erros no meio do caminho. No fim essa é uma discussão sobre respeito, e nos sentimos respeitades pelo esforço”, finaliza Cup.