Este domingo (21) é o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em memória ao massacre que ocorreu em 1960 no bairro de Sharpeville, localizado na cidade sul-africana de Johanesburgo. Em 21 de março daquele ano, um grupo de cidadãos negros protestou pacificamente contra a Lei do Passe. Essa norma obrigava todas as pessoas negras do país a carregarem um caderno para que brancos escrevessem e checassem quais lugares eles estavam autorizados de ir. A polícia da África do Sul usou rajadas de metralhadora para finalizar o protesto, resultando na morte de 69 pessoas e cerca de 180 com ferimentos.
Durante o mês de junho de 2020, o Movimento Vidas Negras Importam (ou Black Lives Matter, em inglês) ganhou ainda mais potência em todo o mundo. Em diversos países a indignação era grande diante de tantas mortes de pessoas negras vítimas de agressão policial causadas por racismo. Muitas pessoas são lembradas pelo movimento, mas é possível dizer que o estopim foi o assassinato George Floyd, visto que sua morte por asfixia em maio foi filmada e divulgada em diversos meios de comunicação em todo o globo.
A luta contra a descriminação é constante, mas, neste 21 de março, a todateen gostaria de aproveitar a data para enfatizar a reflexão sobre o tema, por meio de ações importantes na incorporação do antirracismo no cotidiano. Para isso, entrevistamos a escritora Midria (@iamidria), autora do livro “A Menina que Nasceu sem Cor”, disponível em versões infantil e adulta. A poetisa paulistana é estudante de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, slammaster do Slam USPerifa, membra do Coletivo Sarau do Vale e podcaster no “Curas Pretas”. Seus livros foram produzidos de modo independente e publicados pela Editora Grandir. A todateen teve contato com os livros e indica a leitura!
“No livro trago vários poemas além do que intitula o livro e eles refletem gênero, raça, classe, direito à cidade, entre outros temas. Acredito que ‘A Menina que Nasceu sem Cor’ seja o retrato das complexidades que constroem uma mulher negra. Compreendendo as dores e as potências, partindo do meu lugar de mulher negra de pele clara que enfrenta múltiplos processos a partir dessa condição. Muitas experiências diversas estão sendo partilhadas ali e a ideia é que o maior número de pessoas possa se sensibilizar com questões que eu e tantas outras mulheres negras, especialmente as que partem das periferias urbanas, enfrentam cotidianamente. Além de outras mulheres e jovens negras com vivências parecidas se verem e lembrarem que estamos juntas nessas escrevivências”, diz Midria.
Para a artista, a poesia é uma forma de luta pela eliminação da discriminação racial. “O racismo nasce de um pensamento, uma ideia que desencadeia todo um processo de violências e desigualdades. Essa perspectiva está na estrutura da sociedade que vivemos hoje porque foi assimilada culturalmente. A cultura se constrói e se reconstrói constantemente e movimentos artísticos têm uma importância essencial nisso. Acho que podemos pensar os saraus e slams que constroem a literatura marginal-periférica aqui no Brasil hoje, um pouco como os hippies da década de 70. Estamos forçando o debate sobre questões raciais, colocando a necessidade de repensar práticas e reparar os danos sofridos. Uma forma super interessante disso se dar é nas escolas, com competições de poesia falada como o Slam Interescolar. São crianças e adolescentes que compreendem desde cedo como a discriminação racial (e todas outras) não tem lugar em um futuro justo, diverso e potente como slam pede”.
Midria listou em nossa entrevista uma série de ações antirracistas que gostaria de compartilhar com quem também acredita na luta por um mundo sem discriminação racial. Confira:
1 – Se desprenda da perspectiva universalista
Sabe aquela história de “Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil em 1500”? É um típico exemplo de narrativa única que ignora as demais. Antes da colonização e escravidão impostas por países europeus, indígenas, negras e negros já tinham uma história e sociedades desenvolvidas dentro de suas próprias cosmovisões, com outras noções de temporalidade e organização. Vale conhecer mais sobre o antigo Kemet (conhecido hoje como Egito) e outras grandes civilizações africanas, por exemplo. Foque na pluriversalidade, busque outras fontes de estudo para além das eurocentradas, se desprender dessa história já contada é um passo essencial.
2 – Escute, leia, assista e divulgue as obras intelectuais e artísticas de pessoas negras e indígenas
Uma das melhores formas de se aliar a uma perspectiva antirracista é manter a própria escuta aberta, de modo a se disponibilizar para aprender com essa vasta intelectualidade que, por tanto tempo, foi silenciada e apagada.
3 – Perceba seus privilégios
Enquanto pessoa branca, note seus privilégios na sociedade, tome ações práticas para aproximar mais pessoas negras e indígenas dos espaços que você tem acesso por conta disso. O campo do trabalho é um ótimo exemplo, mas você pode pensar na realidade escolar, cursos extracurriculares, projetos sociais.
4 – Lute pela permanência de pessoas negras e indígenas
Em espaços que conviva com pessoas negras e indígenas, busque entender as demandas e ajude a implementar medidas que visem a permanência dessas pessoas no espaço.
5 – Não reduza uma existência à identidade racial
Não “simplifique” a individualidade de pessoas negras e indígenas que te rodeiam às suas identidades raciais. Somos plurais, potentes e nossas histórias e legados enquanto populações começaram antes do racismo.
6 – Amplie seu conhecimento
Busque conhecer teorias e materiais que coloquem pessoas negras e indígenas em lugares de agência como, por exemplo, o afrofuturismo e o futurismo indígena. Movimentos que têm como foco pensar outras possibilidades de existência para esses grupos, reconectando nossas histórias a saberes e legados ancestrais para projetar futuros outros que transcendem o racismo.
7 – Procure o trabalho de mulheres negras, indígenas, cis e trans
Conheça especialmente o trabalho de mulheres negras e indígenas cis e trans que têm atuado em diversos campos, do pensamento intelectual, passando pela arte, até a política. Deixo como sugestões: Morena Mariah, Katiúscia Ribeiro, Aza Njeri, Nataly Neri, Kaê Guajajara, Sonia Guajajara, Katú Mirim, Brisa Flow, Érica Malunguinho, Luz Ribeiro, Érika Hilton, Ellen Valias, Karina Vieira e Gabi Oliveira do “Afetos Podcast’, Flavia Oliveira e Bela Reis do podcast “Angu de Grilo”, o portal do Geledés – Instituto da Mulher Negra e a lista continua!
Um documentário maravilhoso é o “Orí” baseado na obra da pesquisadora Beatriz Nascimento, onde ela reflete sobre a importância de quilombos no passado e na contemporaneidade.
O que esperar de Midria no futuro?
Apesar de ainda não ter uma data exata de lançamento, a escritora já planeja um novo livro: “Quero muito escrever um trabalho que retrate a potência e multiplicidade de mulheres negras. Reverberar uma escrita que traga cura e nos fortifique para seguir nossas lutas cotidianas. Também quero me aventurar mais no audiovisual, desdobrar o show poético do livro em um registro, além de experimentar outras áreas. Quem sabe a moda? Pretas galácticas estão ai para voar :)”.
Compre os livros de Midria
A escritora possui em seu site um espaço para venda de vários itens, incluindo as versões infantil e adulta do livro “A Menina que Nasceu sem Cor”.
Para adquirir, basta acessar: www.midria.com.br