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Entrevista: Alice Pataxó fala sobre carreira na comunicação, feminismo indígena e muito mais!

Entrevista: Alice Pataxó fala sobre carreira na comunicação, feminismo indígena e muito mais!
Entrevista: Alice Pataxó fala sobre carreira na comunicação, feminismo indígena e muito mais!

Aos 19 anos, a jovem da Aldeia Indígena Pataxó Craveiro, Bahia, Alice Pataxó (@alice_pataxo) possui 66 mil seguidores do Instagram, 75 mil no Twitter e já ultrapassou 252 mil curtidas no TikTok. A futura advogada já trabalha com comunicação, fundou um canal no YouTube, o Nuhé, e também atua como palestrante, trazendo sempre seu lado ativista para suas produções. A influenciadora transita entre textos noticiosos à vídeos virais, e alcança a cada dia um público mais variado e numeroso, interessado em aprender mais sobre a causa indígena.

Em entrevista exclusiva para a todateen, Alice Pataxó conta um pouco mais sobre sua jornada profissional, atual luta da população indígena contra a desinformação e muito mais. Confira!

todateen: Atualmente você estuda humanidades na Universidade Federal do Sul da Bahia, já li em outras entrevistas que você pretendia seguir com direito após a conclusão desse período de estudos mais gerais. Você continua firme com essa ideia?

Alice Pataxó: Eu ando bem interessada em jornalismo, estou trabalhando com isso agora, tenho tido experiências incríveis, e o meu curso me dá essa possibilidade, posso migrar para o jornalismo assim que concluir esse primeiro ciclo. Tenho uma quedinha pelo jornalismo, mas ainda acredito que vou seguir com a carreira de direito, tenho um ano para me decidir ainda!

tt: O que despertou sua vontade de ingressar no direito?

A. P.: Eu sempre gostei muito da área, de leis, acredito que tenho uma aprendizagem rápida nesse sentido. Acho que isso foi ficando cada vez mais forte dentro de mim depois de um certo episódio que aconteceu na minha vida, foi a reintegração de posse na comunidade em que eu morava, vi minha casa sendo derrubada, acho que isso é uma memória muito forte para quem tem 14 anos. Então, nesse momento, entendi que precisava fazer isso, não por mim, mas por outras pessoas, outras crianças, para que elas não passassem por isso também. Sempre tive isso muito comigo, queria trabalhar para atuar com questões territoriais indígenas.

tt: E o que te atraiu no jornalismo?

A. P.: Eu gosto muito da escrita, mesmo que eu não siga nessa carreira tenho o plano de escrever um livro, já comecei mas nunca termina [risos]. Entendi também que por meio do jornalismo a gente entra em contato com pessoas, diferentes realidades, a gente não está ali só ensinando ou transmitindo uma informação, isso é o que mais me atrai na profissão, existe uma ampla possibilidade, muitas coisas podem ser feitas dentro do jornalismo. E principalmente a questão da representatividade, isso é muito necessário e pouco acontece nesse campo.

tt: Você é jornalista do portal Colabora (@colabora). Acredita que existe diferença na construção da notícia quando temos uma profissional de comunicação que faz parte da aldeia ao em vez de uma jornalista que não pertence a esse espaço informando a sociedade sobre um fato ligado à aldeia?

A. P.: Sem duvidas tem, as vezes a gente entende que o texto precisa de uma imparcialidade, mas, muitas vezes, precisamos compreender o que as pessoas sentem. A gente só vai entender isso de fato vendo com os olhos delas, então, uma coisa que eu acho muito diferente da minha escrita é me colocar muito no texto, me doo muito nesse sentido. Porque eu sei que a minha experiência não é a de todo mundo, e eu quero que as pessoas entendam que isso acontece de fato.

Contar a minha história, incluindo tudo que a gente sente vivendo dentro de uma comunidade, viver uma reintegração de posse, estar de frente em uma manifestação, transforma bastante a maneira como as coisas são vistas, porque a gente está falando de um outro ponte de vista. Inclusive, ontem escrevi um texto que com certeza vai marcar muito a minha vida, porque coloquei muito de mim, e quando acabei, chorei bastante, porque foi um texto que coloquei muito de mim. Tudo bem, sou uma manteiga derretida, todo mundo já sabe, mas ainda assim são questões que realmente mexem com a gente, espero que os leitores também tenham essa experiência de ler e entender que existe uma dor.

tt: Você produz conteúdo no YouTube, TikTok, Twitter, Instagram… acredito que seus vídeos são muito importantes por te colocarem em contato direto com a sociedade em geral, sem mediadores. Você acredita que esses conteúdos têm poder ativo de transformar?

A. P.: Hoje eu acredito. Eu venho de escolas indígenas, eu não aprendi como todo mundo, não são só textos, não são só números, a gente aprende a contar fazendo cestaria, a gente aprende a escrever cantando, desenhando… Então são coisas lúdicas no ensino e acredito que isso ajuda muito a gente a aprender, principalmente a fixar isso na mente, porque são maneiras que fazem com que o estudo deixe de ser uma obrigação e se torne um prazer. Então, acho que sim, a internet tem se reinventado nos últimos anos e chegou em um momento em que ela também é educação.

Acredito que essa nova era com TikTok, Instagram, tem muito a acrescentar, por isso gosto de fazer esse tipo de conteúdo, porque é algo leve e ao mesmo tempo didático. A gente não está aqui só pra apontar erros, mas sim ensinar a deixar de errar, isso faz toda diferença.

tt: Houve algum momento em específico que você percebeu que seus perfis estavam se tornando influentes e com alcance importante?

A. P.: O momento que caiu um pouco a ficha pra mim… Na verdade foram dois, primeiro quando a gente estava fazendo uma série de manifestações nas redes sociais e recebemos muito apoio, as pessoas estavam compreendendo o que a gente estava fazendo e gostavam do que fazíamos, porque era um período em que pouca gente falava. Quando a gente vê a rede crescendo é muito satisfatório nesse sentido, foi sensacional! Outro momento pra mim, quando realmente caiu a ficha, foi ter sido reconhecida pelas minhas lideranças, porque por mais que a gente fale que isso está sendo feito não exatamente pras pessoas do nosso povo e mais para as pessoas de fora, para que elas compreendam mais sobre os povos indígenas, esse reconhecimento é muito importante. Quero muito ter aprovação das minhas lideranças e das pessoas com quem convivo todos os dias.

Isso trouxe benefícios para as nossas comunidades, foi com certeza o momento em que eu percebi “caramba, olha o que eu estou fazendo, estou transformando isso aqui”. E com o reconhecimento, veio também a responsabilidade sobre o que eu estou falando, porque recai um peso muito grande para a gente.

tt: O portal Colabora traz uma abordagem sobre meio ambiente mais ampla. Você poderia explicar para os leitores o que significa dizer que sustentabilidade vai além do meio ambiente?

A. P.: A gente precisa entender que, às vezes, algumas coisas que a gente faz parecem não afetar o espaço e o meio, mas isso afeta. Muitos dos elementos que descartamos, por exemplo, podem contribuir ou não para o meio que a gente está vivendo. O planeta tem um sistema muito grande, uma forma de agir, existe todo um ciclo que todo mundo já conhece, então, são coisas que precisam ser preservadas e vai muito além da sustentabilidade, porque a gente está falando de geração de renda. “Dizer que o agro é morte também anula qualquer forma de economia” [as pessoas costumam dizer], mas não é bem assim que as coisas acontecem, por isso, a gente dá alternativas sustentáveis.

Sabemos que hoje em dia as coisas giram em torno de um mundo capitalista, assim como nem tudo se limita apenas a deixar de usar canudo. Não é só nossa vida que a gente precisa manter aqui, precisamos nos preocupar com o futuro das outras gerações, assim como os meus antepassados agiram para que eu tivesse os mesmos benefícios que eles. Por exemplo, as roupas que a gente usa passam por um processo de sustentabilidade, porque a gente tem o máximo de cuidado da retirada da matéria-prima para que a árvore não morra, porque se ela morrer a gente não vai ter esse material por alguns anos e vai começar a faltar no nosso território.

tt: No seu texto publicado em março para o portal Colabora, você menciona a luta de diversas aldeias pelo direito à vacina e o desafio de se combater a desinformação sobre a imunização na Aldeia Craveiro. Esses quadros tiveram melhora? Quais são os principais desafios enfrentados no momento?

A. P.: Realmente melhorou um pouco, mas gente ainda está caminhando nesse processo de combater a desinformação, surgiram muitas fake news nesse período.

A gente está bem, não estamos adoecendo, estamos nos protegendo e nos cuidando, mesmo com a vacina continuamos usando máscaras para que as pessoas entendam que esses cuidados ainda são necessários. Acho que isso ajuda muito a combater a desinformação, as pessoas procuram alguém pra seguir, é natural da natureza humana, e quando elas percebem que faz bem, elas também vão seguir o mesmo caminho. A partir daí começou a acontecer uma aceitação maior dentro da comunidade, as pessoas começaram a tomar a segunda dose. Acho que isso tem ajudado muito nesse processo de trazer informação e conscientizar.

tt: Você já mencionou em outros momentos sobre como o feminismo não costuma englobar as mulheres indígenas. Pode comentar esse assunto?

A.P.: Hoje eu sou diretora do JS na Bahia, mas na época que eu entrei no movimento da Juventude aqui, eu queria muito disseminar informação sobre feminismo, queria que isso entrasse no nosso cotidiano, porque era um assunto pouco discutido dentro das nossas comunidades, e por mais que as pessoas achem que não, nós, mulheres indígenas, sofremos com o machismo e a supervalorização do homem como indivíduo na sociedade e formação de uma família. Isso é preocupante, nós somos vítimas desses índices de violência doméstica também. Na época eu queria muito me ver feminista, falar mais sobre o assunto, mas comecei a perceber que nem sempre eu me sinto representada no movimento, porque muitas vezes se esquecem que nós temos nossas diversidades, nossas culturas e isso precisa ser respeitado também nesse processo. Nem tudo se limita a essa questão da gente querer que as mulheres façam parte se elas não são representadas.

O processo de feminismo indígena entende que não é só importante lutar pela liberdade individual, mas também a liberdade no sentido territorial, a identidade e pertencimento ao nosso território é uma coisa fundamental para a gente, então acontece esse distanciamento. Já fomos muito atacadas pelo que chamam no Twitter de “radfem” [feministas radicais] e é algo muito triste, porque a gente está aqui pra trazer informação, é importante que as pessoas entendam e respeitem a nossa opinião.

tt: Para a gente finalizar, quais outros perfis de influenciadores indígenas você poderia indicar para que todos sigam e acompanhem?

A. P.: Rayhatã Pataxó (@rayhata_une), fotógrafo que tem imagens lindas do olhar indígena sobre as coisas; Laís Eduarda Tupinambá (@laiseduardatupinamba) apresenta essa questão do feminismo indígena e representatividade no nosso meio; Tukuma Pataxó (@tukuma_pataxo), pesquisador indígena com uma linguagem muito pra juventude; Cristian Wariu (@cristianwariu) é podcaster… mas tem muitas outras pessoas incríveis para indicar!

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