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“Mulheres racializadas pouquíssimas vezes são vistas como protagonistas”, afirma Ana Hikari sobre personagens asiáticas na mídia

Crédito: Instagram/@_anahikari

A luta pela sensação de pertencimento marca a vida de muitas mulheres asiáticas em todo o mundo, incluindo as brasileiras. Estereótipos e preconceitos fortalecidos pela mídia atrapalham ainda mais no processo de busca pela própria identidade, principalmente na fase da adolescência. Desviando de uma narrativa presa a um padrão, “Malhação: Viva a Diferença” fez um diferencial no audiovisual popular.

Na trama, conhecemos Tina, uma jovem apaixonada por música. Além de lidar com a pressão e falta de entendimento dos pais, ela também sente as dificuldades de uma adolescente brasileira asiática tentando encontrar seu lugar nela mesma. Interpretada pela atriz Ana Hikari, a personagem conseguiu se comunicar com uma geração de meninas com muita naturalidade e compreensão.

Além disso, Ana foi a primeira atriz amarela a protagonizar uma novela da Rede Globo, ao lado das atrizes Manoela Aliperti, Gabriela Medvedovski, Daphne Bozaski e Heslaine Vieira, que seguiram juntas no elenco de “As Five”. Por mais que seja um marco super significativo, ainda nos deparamos com a falta de mulheres asiáticas em papéis principais de séries, filmes e as próprias novelas.

Crédito: Foto: Victor Pollak | Beleza: Andrezza Gregory

Tendo em vista o impacto e força por trás da luta de mulheres asiáticas para representações justas na mídia, decidimos trazer o assunto por aqui neste Dia Internacional das Mulheres. Em conversa exclusiva com a todateen, a Ana falou sobre feminismo, esteriótipos sobre a mulher asiática e ainda passou uma mensagem super forte sobre a luta. Confira!

Com o Dia Internacional das Mulheres, a pauta sobre força feminina fica ainda mais em alta. Tem mulheres que gostam de celebrar a data com flores, enquanto outras também enxergam como um marco de resistência. Qual é o significado da data para você?

Para mim, o Dia da Mulher é uma data para lembrar que a gente ainda vive num mundo muito desigual em relação a gênero e que ainda assim, tem muitos direitos que não foram devidamente concedido para as mulheres. Ou não estão sendo devidamente cumpridos, então ainda temos muito o que questionar no mundo. Mulheres que vieram antes da gente já conquistaram muitas coisas e a isso temos que celebrar.

Não é uma comemoração ao estereótipo do que é o “feminino”, mas de celebração dos direitos que as mulheres que vieram antes de nós conquistaram. Quando eu penso em celebração para esse dia, é mais uma celebração sobre os nossos direitos que temos hoje em dia. Ajuda a lembrar as lutas que a gente ainda tem para travar, sabe?

No feminismo, há recortes dentro da própria luta. Tem o feminismo movimentado pelas mulheres negras, o feminismo movimentado pelas mulheres trans e muitos outros, como as mulheres asiáticas. Você acha que essas divisões são importantes?

Acredito que é importante ter esses espaços de debate com recorte de raça dentro do feminismo, mas eu não acho que esses recortes devam ser vistos como vertentes diferentes para poder entender qual o nosso lugar como mulher. Por exemplo, fazer um encontro de mulheres sobre feminismo asiático é bom para discutir questões específicas de mulheres asiáticas. Mas essa é uma discussão que não tem que ficar fechada a nós. A conversa tem que ser levada em pauta e em questionamentos para outras mulheres, principalmente as mulheres brancas.

Outro exemplo, vejo como muitas pessoas segregam o feminismo negro, sendo que não é uma conversa que tem que estar distante de mulheres que não são negras, muito pelo contrário. Mulheres brancas, tem que consumir muito mais o conteúdo de feminismo negro, justamente para ter essa intersecção e uma busca pelo conhecimento de debates racializados dentro do feminismo.

As mulheres brancas precisam entender que, apesar delas serem mulheres e sofrerem uma operação em relação a esse mundo patriarcal, elas têm que questionar os privilégios que têm enquanto mulheres brancas. Então eu prefiro dizer que não é uma vertente segregada, mas sim espaços seguros de debate para que esses grupos sejam escutados.

Muitas vezes, o feminismo branco é visto como um ponto neutro na luta. Então quando temos debates sobre feminismo negro ou feminismo asiático, por exemplo, é visto com um feminismo setorizado. Acho que a gente precisa acabar com essa mentalidade de que a discussão não insere pessoas não brancas. Não dá para a gente achar que o feminismo branco é o feminismo geral.

Mulheres de diversas etnias lidam com estereótipos enraizados na sociedade, algo que reflete muito na internet e em vários produtos culturais como séries e filmes. Como você lida com o retrato dos estereótipos?

Uma grande questão que observo, principalmente no meu trabalho como atriz, é que muitas vezes, mulheres racializadas pouquíssimas vezes são vistas como protagonistas. Sendo que, a gente tem muita história para contar e seriamos protagonistas incríveis de histórias também incríveis para ser passadas no cinema, na televisão, nas séries, no streaming, etc.

Acho que a minha principal dificuldade hoje em dia, depois de ter protagonizado uma novela e uma série, é de ser vista como protagonista para outros trabalhos. Claro, não menosprezando os outros papéis que existem por aí, mas existe uma facilidade muito grande da mídia de colocar pessoas brancas como protagonistas sempre, feito uma regra. E aí, pessoas brancas podem interpretar qualquer coisa, inclusive pessoas não brancas, não é? Enquanto a gente fica limitado aos estereótipos racializados.

Para mulheres asiáticas, só podemos fazer personagens mais quietas, meio nerds e se decidem ser mais radicias, o cabelo tem que ser pintado. Também tem a hipersexualização da mulher asiática, que é uma coisa muito recorrente na mídia. Os papéis acabam limitando a gente a posições secundárias, como amiga de fulano ou algum personagem que está ali no entorno da protagonista e estamos cansadas disso.

Não queremos mais viver nesse lugar, que acaba sendo um “não lugar”, um não pertencimento. Ficamos com a sensação de que somos invisíveis porque os papéis que são designados para a gente são sempre os papéis com menos visibilidade ou menos importantes. Queremos ser protagonistas!

Você foi a primeira atriz amarela a ser protagonista na Rede Globo. Levando isso em consideração, você acha que a mídia, seja na televisão, streamings ou a própria internet, podem colaborar com uma mudança positiva nesse cenário de preconceitos?

Com certeza, acredito muito nisso. Uma coisa que eu sempre falo é que esse esse trabalho de mudança não pode acontecer só de maneira estética, sabe? Eu, interpretando uma personagem, não é o suficiente para poder mudar uma estrutura. Porque só a minha cara ali, numa série, numa novela, não é uma mudança de fato. O que vai mudar de fato, é no momento em que a produção, os autores e a direção estiverem pensando em representatividade na equipe, porque aí eu vou contar uma história pensada por alguém que entende da minha história.

Contando essa história verdadeira, aí sim as coisas vão mudar mesmo. A televisão, o cinema, o audiovisual em geral, pode ser uma potência de mudança no mundo, não é a toa que eu escolhi esse trabalho. Acredito que a cultura e a arte são ferramentas de transformação. A gente se comunica para poder questionar, para poder mudar a visão de mundo, para poder gerar a possibilidade de sonhos para as pessoas.

Durante a “Malhação: Viva a Diferença”, você interpretou a Tina passando pela adolescência e encontrando sua própria identidade. Tem alguma mensagem você passaria para as garotas que estão passando pela mesma fase? Como algo que você gostaria de ter escutado quando estava nessa fase de mudança?

São tantas coisas (risos). Uma questão que muitos brasileiros asiáticos passam é por uma negação sobre a nossa origem, porque a gente sempre fica com essa sensação de não pertencimento. Nós vivemos aqui no Brasil e as pessoas não reconhecem a gente como brasileiros e, às vezes, a gente vai visitar nossa família no leste asiático e a gente não é japonês, por exemplo, que a minha origem. Eu sou brasileira e sou vista como estrangeira lá tanto quanto aqui.

Então para lutar contra isso, muitas vezes a gente acaba entrando em negação da nossa própria identidade. Eu vivi muito isso, construí a minha identidade através da negação, eu fazia questão de falar o que eu não. Eu não era quietinha, não era nerd, eu não era esses estereótipos que esperavam de mim como brasileira asiática.

O que eu diria para essas pessoas hoje em dia é: fiquem tranquilas por que tudo que a gente é faz parte de nós, não precisa negar nada, não precisa provar nada para ninguém. Fazemos parte desse país e não tem ninguém que vai tirar o nosso direito de ser quem a gente é.

Tem essa questão da educação asiática, de que a gente não pode incomodar os outros. Mas cara, a gente pode incomodar sim, principalmente se estão nos incomodando. Ninguém merece ficar ouvindo besteira, que não é só besteira. Piadinha de cunho racial tem nome e é discriminação racial. A gente não precisa ficar ouvindo esse tipo de coisa. Então responde mesmo, você tem todo o direito!

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