O ato de “cancelar” alguém surgiu na internet como forma de demonstrar que certas opiniões e atitudes são inadmissíveis em um ambiente respeitoso. Apropriação cultural, piadas repletas de preconceitos e termos ofensivos às minorias deixaram de ser “aceitáveis” dentro e fora do universo digital. Entretanto, o cancelamento acaba indo além, e mesmo quando é assertivo, muitas vezes a “central do cancelamento” passa do limite.
Setembro leva o título de “amarelo” por conta do Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, marcado pelo dia 10 deste mês. Essa data é uma memória ao americano Mike Emme, que tirou a vida em seu carro de cor amarela no ano de 1994. O tema começou a ser debatido em nosso país com maior ênfase em 2015, e desde então novos tópicos têm sido somados à discussão em volta do assunto que, mais do que nunca, precisa da atenção de todos.
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Em meio a um período de isolamento social, a atividade nas redes sociais se tornou mais recorrente entre vários internautas, e consequentemente, a central do cancelamento tem se mostrado mais ativa. A quarentena e o coronavírus sozinhos já são o suficiente para encontrarmos neste ambiente sérias consequências à saúde mental, portanto, o cancelamento é um fator agravante deste cenário.
Segundo o Dr. Alexander Bez, psicólogo especialista em relacionamentos, ansiedade e síndrome do pânico, o ato de cancelar surge como um aspecto positivo por demonstrar que o autor do cancelamento não compactua com opiniões preconceituosas. “Pode trazer êxito em mudar a postura de alguém desde que essa pessoa se proponha intelectualmente a mudar. O que não pode mudar em hipótese alguma são personalidades, mas opiniões, dentro do contexto explicativo-compreensível podem ser alteradas”, detalha o psicólogo.
Por outro lado, o cancelamento pode ser uma via de mão dupla, já que constantemente acaba se resumindo a um ato de intolerância. “Quando o cancelamento gera discriminação e rejeição, visa prejudicar o outro, ele está agindo exatamente igual ao que define como errado. Essa forma de deflagrar, revelar e expor uma pessoa que age de maneira discriminativa não pode atuar da mesma forma, porque senão, se iguala”, diz o Carlos Florêncio, psicoterapeuta filósofo.
“Cada um tem que ter as suas preferências, não impondo gostos pessoais a outras, aí, não é cancelamento, mas indução a seguir uma postura exata”, pontua o Dr. Bez. “Por isso, a ideia é gerar a consciência, alertar a pessoa sobre o seu comportamento. Mas para isso o cancelamento precisa de conhecimento e propriedade para agir, o que não é o caso muita das vezes”, completa Florêncio.
O psicoterapeuta afirma que o cancelamento pode causar reflexão e mudança de postura, mas também existe a possibilidade de ser um gatilho para uma série de pensamentos negativos que precisam ser evidenciados neste Setembro Amarelo: “A maneira como a sociedade está construída gera rejeição e a pessoa se sente sem valor, inútil. Desencadeia a vontade de não existir e o suicídio vem a ser o caminho de resolução para esse processo”.
0 que fazer?
É possível manter um posicionamento crítico na web sem disseminar intolerância. “Seja mais compreensivo, haja com empatia, simpatia e solidariedade. Quem está praticando uma ação prejudicial ao outro, não está bem com a sua própria vida, está fechado no seu mundo. O amor é a única forma de agir, mas para isso observe o teor do que transmite”, afirma Florêncio.
fui cancelado, e agora?
“A pessoa tem de estar consciente do que fez, seus valores, ética e princípios que a regem. Reflita se pode aprender a se transformar, caso seja verdade. Embora a verdade possa doer para muitos é uma forma de aprendizado. Todos nós já fomos cancelados em algum momento das nossas vidas e isso faz parte do processo, infelizmente, de vida. Saiba lidar com a ignorância – falta de conhecimento alheio – e não leve para o lado pessoal. Quando temos a certeza sobre a nossa conduta, não precisa provar nada para ninguém. As pessoas vão fazer os seus julgamentos baseados nos conhecimentos que possuem e essa não é uma verdade absoluta”, reflete o psicoterapeuta.
E é possível evitar esse tipo de confronto: “Mantenha por perto pessoas semelhantes, nunca imponha opiniões próprias ou se deixe seguir por ‘ditaduras’ alheias. A cultura do cancelamento necessita respeitar outras culturas que não sejam negativas para a sociedade. Lembre que o que é bom para uma pessoa, pode não ser para outra. É esse o tipo de convívio que as pessoas precisam exercer e praticar: a harmonia”, completa o Dr. Bez.
atenção
A sua vida importa, e os cancelamentos só podem ser feitos para nos fazer evoluir, e a melhor forma de fazer isso é em conjunto com um profissional de saúde. Procure apoio psicológico para além dos amigos e familiares, a ajuda profissional é essencial.
Caso precise de apoio imediato, não exite em discar 188 para contatar o Centro de Valorização da Vida (CVV), o qual presta apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo 24 horas todos os dias.
Outra forma de contatar o CVV é pelo e-mail (que pode ser acessado aqui: https://www.cvv.org.br/e-mail/) ou chat (link: https://www.cvv.org.br/chat/).