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Gaslighting: o que é, sinais e relatos do sutil abuso machista

Gaslighting: o que é, sinais e relatos do sutil abuso machista
Gaslighting: o que é, sinais e relatos do sutil abuso machista

“Você está louca!”, “Você está exagerando!”, “Está delirando!”, “Tem certeza? A sua memória é meio ruim!”. Essas frases podem até parecer um tanto quanto inofensivas se você já ouviu alguma vez na sua vida. No entanto, apesar de não pareceram em um primeiro momento, carregam em si o termo gaslighting, que nada mais é do que um relacionamento abusivo que se apresenta de uma forma mais sutil da que a gente está acostumada a ver por aí.

Especialistas atendem cada dia mais casos desse abuso psicológico que quase nunca manifesta uma violência física – tornando-se ainda mais difícil de identificar. Para ficar mais fácil de entender o que seria isso, eis a origem do termo, explicada pela psicóloga Adriana Cancelier:

“O termo vem do filme “Gaslight”, de 1944, com Ingrid Bergman, no qual ela interpreta uma mulher casada. Seu marido se dá conta que pode ficar com a herança da esposa desde que ela seja considerada louca e enviada para um hospital psiquiátrico. Para provar que ela está perdendo a lucidez, ele intencionalmente prepara as lâmpadas de gás (gaslights, em inglês) de sua casa para ligarem e desligarem automaticamente. Objetos pessoais começam a desaparecer misteriosamente, objetos da mansão onde moram aparecem e desaparecem em outros lugares. Toda vez que sua esposa reage a isso ele diz que ela está vendo coisas e perdendo a lucidez, a convencendo de que tudo isso está acontecendo na imaginação dela. Ela começa a acreditar que está “perdendo a sanidade” e que tem alucinações”.

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E se você acha que isso é muito fictício, está tremendamente enganada. A todateen conversou com jovens leitoras do site, que contaram algumas situações vividas na vida real, que facilmente se aplicam a esse tipo de abuso psicológico. Confira:

*As leitoras preferiram não se identificar.

“demorei para entender que ele me fazia sentir que eu era o problema”.

No início do meu segundo ano da faculdade, ele me adicionou no Instagram, marcamos um encontro perto de onde eu estudava e começamos a “ficar”. Ele falava constantemente sobre como era carente em relação à família, assim como mencionava frequentemente a ex. Sempre que ele queria se conectar comigo, falava da família e/ou mal dela, ao passo que me enaltecia, mas, com o tempo, percebi que havia também uma necessidade de me diminuir, e isso sempre vinha também com o tema ex junto, só que falando bem dela.

Me enaltecer ou me diminuir era quase constante, porque pelo celular ou presencialmente ele estava sempre me “cobrando” por sexo. Ele queria o tempo todo e eu não queria ficar falando com ele no celular até tarde, ou meu celular estava ligado e eu só queria ver um filme. Sempre que eu questionava, ele me fazia acreditar que eu era imatura, que ele era mais maduro, que ele havia tido mais experiências sexuais. Quando eu me enfurecia, então começava o ciclo de me enaltecer. Eu caia porque eu realmente acreditava que não tinha uma experiência sexual tão ampla. Também demorei para ter uma autoestima mais elevada, então eu acreditava em tudo mesmo e seguia porque era bom ter alguém que te dizia um elogio de vez em quando.

Quando percebi que ele tinha a necessidade de ser melhor do que eu em tudo, as coisas começaram a romper. O ponto de virada foi quando ele resolveu me explicar coisas do folclore no meio de uma conversa banal e eu fiquei chocada tipo “por que ele pressupõem que eu não sei essas coisas. Eu faço um curso de humanas, cogitei estudar letras e estudos literários”. 

A gota d’água foi quando eu não estava querendo que ocorresse penetração e ele tentou mesmo assim. Eu me vesti e brigamos. No fim da conversa saí com a sensação de que eu que não tinha “experiência sexual” como ele. Pouco tempo depois, ele me mandou mensagem dizendo que iria almoçar na casa dos exs sogros, sem me explicar mais nada – e sumiu do celular. Só me mandou mensagem muito tempo depois e extremamente seco. Eu “terminei”. A gente nunca namorou mas ele tinha me dito que não queria que nós ficássemos com outras pessoas.

Eu não quis mais nada – mas olha, acho que demorei para entender que ele me fazia sentir que eu era o problema.

“eu cheguei a duvidar da minha sanidade mental”

Eu passei por isso duas vezes. Uma vez em 2019 e uma vez agora, entre o final do ano passado e início deste ano. As duas situações foram bem semelhantes, logo após um término de relacionamento que eu tive. Com as duas pessoas, a princípio, eu tinha um feeling que não eram pessoas muito legais, notava os sinais, mas meio que ignorava, porque nos dois momentos eu estava fragilizada por términos de relacionamento anteriores, então por mais que eu notasse eu estava carente, “precisava” de alguém ali,

Até que chegou o momento que a relação me fazia muito mal, era uma relação extremamente tóxica, bem abusiva. Os dois falavam do meu corpo, que eu não ia arranjar mais ninguém, mexiam com a minha autoestima, e quando você tá dentro disso você não percebe, minhas amigas me falavam, não gostavam deles e elas me alertavam, mas não sei o que acontecia, quando você está dentro da situação você não percebe. E aí eu só fui entender mesmo o que estava acontecendo quando a relação terminou.

Diversas vezes eles falavam,  “Não eu não falei isso, você que está louca, você está inventando porque você é louca, é descompensada, eu jamais falei isso, eu não fiz isso”. Eu cheguei a duvidar da minha sanidade mental, pensava: “Não, realmente estou louca, realmente devo estar criando coisa na minha cabeça”. É bem complicado você sair disso por mais que as pessoas te alertem. Eu só saí mesmo quando acabou e eu só vi o que aconteceu e as consequências depois. Depois haja terapeuta pra você lidar com as consequências.

“eu sabia que não tinha feito nada, mas por ele tanto falar, comecei a duvidar de mim mesma”

Ele era uma mente controladora, manipuladora, sistemática, calculista, e ele fazia com que eu duvidasse de mim mesma. Ele falava as coisas com tanta certeza, com tanta propriedade, que eu falava “Meu Deus será que eu fiz isso e não lembro”. Ele falava sempre para mim que eu mentia para ele, que escondia as coisas dele, que dava em cima de outras outras pessoas, se eu estava online e não estava falando com ele, ele já falava isso.

“No fundo eu sabia que eu não tinha feito nada, eu tinha total certeza disso, mas por ele tanto falar eu comecei a duvidar de mim mesma, do que eu tinha feito, da minha memória, de tudo por causa do jeito que ele falava das coisas, que ele manipulava a situação. Eu tentava ao máximo não fazer ou falar nada para evitar discussão, mas nunca tava bom, sempre tinha um jeito dele conseguir as coisas do jeito que ele queria, da forma que ele imaginava, e se saia de controle dele, ele surtava e descontava em mim, como se fosse a culpada.

“Você não faz nada para a gente se ver, você não faz um mínimo esforço para a gente aproveitar o tempo juntos”, ele falava isso sempre que eu estava ocupada e a gente não conseguia se ver, como se fosse total culpa minha.

consequências

Como podemos observar, gaslighting é uma forma de manifestação da violência psicológica. Ele é uma forma de abuso mental, que consiste em distorcer os fatos e omitir situações a fim de deixar a vítima em dúvida sobre a sua memória e sanidade, passando a duvidar de seu senso de realidade e de suas percepções.

De acordo com psicóloga Adriana, são inúmeras as consequências causadas pelo gaslighting. Ela destaca:

  • Insônia, pesadelos, falta de concentração e irritabilidade;
  • Alterações psicológicas: choque, crise de pânico, ansiedade, medo, confusão, fobias, autoreprovação, sentimento de inferioridade, de fracasso, de insegurança, sentimento de culpa, baixa autoestima, comportamento autodestrutivo, uso de álcool e drogas, depressão, desordens alimentares (obesidade), tentativas de suicídio e disfunções sexuais.
  • Isolamento social, muitas vezes por vergonha de que outras pessoas descubram o que ocorreu, mudanças frequentes de emprego ou moradia e diminuição da renda mensal.
  • Vergonha, culpa e baixa autoestima, medo de ficarem sozinhas. Acabam se isolando de seus contatos sociais, restringindo-se ao ambiente doméstico e, desse modo, afastando-se de uma possível rede de apoio, o que contribui para tornarem-se ainda mais prisioneiras da relação.
  • Angústia, perda de amor próprio, problemas relacionados à alimentação, abuso de determinadas substâncias, dificuldade em se relacionar novamente, desequilíbrio emocional, quadro de ansiedade, depressão.
  • Diminuição da autoestima, perda da confiança em si mesma, prejuízos à vida social e laboral. Assim, criam-se bloqueios e inseguranças que fazem com que muitas mulheres tenham medo de participar da vida social e acabam por aceitar as diversas formas de desvalorização e rebaixamentos, sejam estes de ordem intelectual, emocional ou profissional

você não precisa estar em um relacionamento amoroso para sofrer gaslighting

De acordo com a especialista, este tipo de violência pode ocorrer em qualquer ambiente: familiar, educacional, corporativo. A mulher não precisa estar necessariamente dentro de um relacionamento amoroso com um homem para sofrer esse abuso:

Por exemplo, no ambiente corporativo ele pode afetar diretamente a carreira de uma mulher (apesar de acontecer com ambos os sexos). Aqui me refiro a mulheres por serem as mais afetadas. Pode ser um chefe abusivo ou um colega que faça a mulher acreditar que é incapaz ou que a manipule. Faça-a sentir-se incompetente, sem autoconfiança, perseguida, humilhada e desvalorizada“, explica.

como identificar?

O gaslighting não é fácil de identificar. Por apresentar um comportamento mais “sutil” do que uma violência física, por exemplo, faz com que a vítima tenha mais dificuldade de enxergar o que está acontecendo com ela.

A vítima acredita que é incapaz e que realmente está enlouquecendo, pois, o abusador distorce a realidade e manipula a vítima fazendo com que ela duvide de si mesma, do seu julgamento, da sua memória e principalmente da sua sanidade. Portanto quando estamos em um processo de confusão mental fica mais difícil sair desse relacionamento“, explica Adriana. Ela também ressalta alguns sinais que podem ajudar a mulher a identificar esse abuso:

  • Se sentir diferente daquilo que costumava ser
  • Aumento da ansiedade e diminuição da autoconfiança
  • Sentir que você está fazendo tudo errado
  • Sentimento de incapacidade
  • Sentimento de nunca ser boa o suficiente
  • Sentir que as coisas estão fora de controle
  • Se perguntar frequentemente se você não está ficando “louca” mesmo
  • Tomar a culpa sempre para si quando as coisas dão errado e estar sempre se desculpando
  • Criar desculpas para o comportamento do parceiro
  • Se isolar da família e amigos devido o comportamento do parceiro

É importante reconhecer o comportamento manipulador do parceiro e também reconhecer que você é a vítima. Tendo percebido a relação abusador-vitima é necessário, pedir e buscar ajuda especializada e fazer terapia para conseguir se afastar de um relacionamento abusivo“, aconselha a psicóloga.

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