texto por Ana Hikari (@_anahikari)
ilustrações por Nicole Cardoso (@_niccardoso)
Oi Aninha, aqui é a Ana Hikari, com nossos 26 anos. Sim, agora você usa HIKARI pra se apresentar às pessoas, porque você não tem mais vergonha do seu segundo nome japonês. Surpreendentemente, as pessoas pararam com aquela bobagem de achar que não dá pra pronunciar seu nome direito, então agora você usa seu nome, que significa Luz.
Para além do seu nome, muita coisa mudou na forma de você se apresentar ao mundo. Uma delas é que agora você (ou eu… ou nós) sabe que tá tudo bem falar bem alto sobre a sua vontade de ficar com mulheres. SIM, você leu direito! Você já pode falar em alto e bom tom que você também ama mulheres.
Eu sei, é um pouco difícil de acreditar né? Depois da gente ouvir tantas vezes que era “anormal” mulher que gosta de mulher… Ou depois de ler em vários lugares “qual a maneira ideal de conquistar um garoto”… Depois de ouvir que menina que beijava meninas só estava beijando pra agradar meninos… Ou ouvir que suas amigas não chamariam uma amiga lésbica pra dormir na casa delas… Ou ainda, depois de ouvir que algumas tinham nojo de mulher que beijava mulher.
Aliás, tenho uma coisa pra te contar! Uma dessas meninas que falou essa baboseira de “ter nojo”, você um dia vai encontrar no cinema aos beijos e amassos com: UMA MULHER! Ver essa cena vai ser lindo! Você vai entender que aquela palavra “nojo” dita por ela, talvez tenha sido um jeito de extravasar tudo que ela estava suprimindo em si na época da escola. E que aquilo não tinha nada a ver com você, era sobre ela mesma.
Eu sei, nesse momento aí, com seus 15/16 anos, está difícil de entender que o que falam não é sobre você ou pra te ofender. Eu sei que parece que você está errada, está viajando, está doente… qualquer coisa… mas você não está! Eu te juro! Isso que você sente sobre mulheres não é anormal. Você não é uma aberração, para de acreditar nessa mentira, tá bem?
E tá tudo bem que você esteja ficando com vários meninos e nenhuma menina, por enquanto. O que define quem você é não são as bocas que você tem beijado por aí, mas, sim, como a gente se sente. E a gente sabe bem o que a gente sente, né?
E eu sei também que pra você tem sido mais fácil jogar o jogo que você já sabe as regras: passamos muito tempo aprendendo direitinho as regras heteronormativas de “conquistas” pra ficar com garotos e nenhuma sobre como ficar com garotas. Infelizmente, preciso te dizer que até hoje eu não sei direito as regras pra ficar com garotas, viu? Ainda fico bem nervosa quando tô afim de uma e torço pra ela chegar em mim, porque se depender de nós, Aninha, a gente esquece até do nosso nome na frente das mulheres maravilhosas que conhecemos. Quem sabe a Ana de 36 anos volta pra me dizer que tem sido mais fácil pra ela lá na frente.
Mas eu tenho boas notícias: você está aí no início das suas descobertas sobre sexualidade, mas quando a gente entender que nosso corpo é muito potente pra nos dar prazer e que o nosso próprio corpo é quase um mapa pra entender o prazer de outra mulher, você vai descobrir coisas lindas nas experiências sexuais. E não tem absolutamente nada de promíscuo nem de experimental nisso. Ou seja, não vai ser uma fase, vai ser uma jornada inteira, pro resto da sua vida!
Estou te mandando essa carta pra dizer: Aninha, você não se descobriu bissexual, você só descobriu que o mundo inteiro tem o dever de aceitar você do jeitinho que você é e que o seu jeito de amar é lindo e parecido com o de muitas outras pessoas por aí. Fica tranquila! Vai dar tudo certo e vai ser lindo.
Escolhida pela Forbes para a lista 30 under 30 de 2020, a atriz Ana Hikari fez história ao se tornar a primeira protagonista amarela da Rede Globo com a novela “Malhação: Viva a Diferença”, temporada vencedora de um Emmy que voltou ao ar em 2020 e gerou a série “As Five”, trama original da Globoplay na qual as personagens enfrentam dilemas de jovens adultas. Seu próximo projeto é a novela global “Quanto Mais Vida Melhor”, assinada por Mauro Wilson e com estreia prevista para o primeiro semestre de 2021 na faixa das 19h da emissora. Na vida pessoal, Ana utiliza suas redes sociais para combater o preconceito contra pessoas amarelas, além de discutir e conscientizar seu público sobre racismo, homofobia e feminismo.
Instagram: instagram.com/_anahikari/
Ilustradora e pesquisadora de literatura infantil e juvenil, maternidade e cultura pop.
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Contato: ilustranic@gmail.com
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