conto por Isabelle Costa (@avalancheliteraria)
ilustrações por Thais Menezes (@thamenezes.s)
Eu não sei nadar, e tem uma onda que quebra aqui, Pedro. Uma onda que quebra aqui, bem na minha barriga. Do comprimento exato da última vez que te abracei, da última que a gente se olhou.
Não existe cor mais linda que o azul. E toda vez que a orla do Leblon anuncia seu anil lazúli cobalto tremulando até encontrar o céu do Rio — as luzes da rocinha se acendendo na minha hora favorita —, toda vez que acordo naqueles dias que cabem numa música do Jack Johnson, Pedro, eu até me esqueço de que esse mar que a gente navega é furioso.
Esqueço como essa onda me apavora, e que, por mais que eu queira desvendar esse mistério, não consigo. Não consigo entender a dinâmica do mar como entendem as crianças que nascem de frente pra ele. Crianças que sabem tudo sobre marés e águas-vivas. Que crescem e aprendem o jeito certo de olhar pra garota certa, e a contar boas histórias. Crianças como você.
Tu me mostrou a mágica que é olhar pras coisas de outras janelas. Até esse pronome, que não existia no meu dialeto, que evitei durante anos nesse exílio que aprendi a gostar, tu me ensinou a usar. Sem conjugação, sem me preocupar com quem concorda com o que. “É assim porque é assim”, a primeira regra quando se trata de você.
Era fácil, Pedro. Fácil demais, até não ser.
Agora a onda, aquela que você me ajudava a pular, vem com tudo, e, toda vez — prendendo a respiração ou não — sou levada. Perco os segundos, é tudo câmera lenta, cena de filme e borrão, e eu acabo num pedaço qualquer de areia, pra meio segundo depois ser levada de novo, porque é tudo muito rápido, e você não só sabe que o meu ritmo é outro, como tinha prometido entender.
Eu fico nessa. E é assim há tanto, tanto tempo, que não faz mais sentido contar. Às vezes vou embora da praia, às vezes fico olhando o mar de longe por tempo demais e imagino tudo que nele existe e desconheço, porque não aprendi a deslizar sobre as ondas como você faz. Em dias como hoje, em noites como essa, tento aprender de novo, e ainda falho, e ainda não consigo, Pedro.
Eu ainda não sei nadar. Eu ainda não sei te ler.