Em setembro, é comemorado o Mês da Visibilidade Bissexual e, dentre os diversos assuntos que precisam de mais atenção, está a saúde sexual de mulheres lésbicas e bissexuais com vulva.
A última cartilha do governo federal, publicada em 2007, sobre saúde sexual de mulheres lésbicas e bissexuais com vulva é do ano de 2007, tem mais de dez anos.
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O material, apesar de ser público, é bastante inacessível e pouco divulgado, além de não abordar questões essenciais sobre a transmissão de doenças no sexo entre mulheres, as chamadas ISTs – as Infecções Sexualmente Transmissíveis, causadas por vírus, bactérias ou outros microrganismos, transmitidas, principalmente, por meio do contato sexual, seja oral, vaginal ou anal sem o uso de camisinha.
Dessa forma, a questão da sexualidade e das práticas sexuais entre mulheres bissexuais e lésbicas acabam sendo invisibilizadas pela sociedade. “Eu não entendo porque isso ainda é um tabu”, desabafa a Dra. Mariana Rosario, ginecologista, mastologista e obstetra, membro do corpo clínico do hospital Albert Einstein e pesquisadora da Faculdade de Medicina do ABC.
“A transmissão das ISTs independe do tipo de relação. Às vezes a pessoa pode ter, por exemplo, HPV e simplesmente a fricção entre vulvas já pode causar a transmissão desse vírus. E isso é muito importante e precisa ser mais divulgado”, ressalta.
A médica ainda enfatiza que a ideia de que só é possível contrair doenças transmitidas pelo sexo, apenas com relações com homens, é uma mentira. “As mulheres precisam saber disso e ter acesso a essas informações para aumentar o nosso empoderamento. Precisamos falar, divulgar e conscientizar”, afirma a profissional.
Buscando justamente a disseminação desse conteúdo, Nicolle Sartor, formada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Santa Maria, elaborou o guia Velcro Seguro: o guia de saúde sexual para mulheres lésbicas e bissexuais com vulva.
“Eu, enquanto uma adolescente se descobrindo lésbica, tive acesso a informações muito superficiais e escassas sobre sexo seguro entre mulheres com vulva. Apenas tive contato com informações mais substanciais e completas ao iniciar o trabalho do Velcro Seguro, aos 20 anos.”, afirma Nicolle, que desenvolveu a cartilha destinada tanto a mulheres lésbicas e bissexuais com vulva quanto a médicas, estudantes e professoras.
Enquanto a maior parte da metodologia para se ensinar educação sexual é através do medo, mais difícil é criar um ambiente saudável e seguro. “Reconhecer que o sexo entre mulheres com vulva traz risco de contração de IST’s é reconhecer que essas práticas sexuais são válidas e devem ter o mesmo nível de cuidado que qualquer outra prática sexual.”, ressalta a ilustradora, que explica que é comum a percepção geral de que “o sexo entre mulheres com vulva é simplesmente preliminar”.
Em um contexto de estigmatização da lesbianidade e bissexualidade de mulheres, Nicolle afirma que é extremamente necessário materiais que falem com responsabilidade sobre métodos de proteção. “Visibilizar esse fato também denota a importância do desenvolvimento de métodos de proteção no sexo entre vulvas que não sejam apenas ‘gambiarras’, como cortar camisinhas para pênis ou utilizar artigos odontológicos no improviso.”, diz, explicando que a falta de possibilidades influencia muito na vida sexual das mulheres. “Absurdos como ‘usar plástico filme para proteção no sexo’ são reproduzidos até hoje, sem o mínimo conhecimento de que esse ‘método’ é ineficaz e, no mínimo, degradante. Imagine se ver sem opções a ponto de cogitar utilizar um plástico de embalagem de alimentos para se proteger no sexo?”, completa.
Mesmo que existam profissionais da saúde envolvidos em estudar para tratarem de maneira sensível a população LGBTQIA+, ainda existe um longo caminho pela frente.
“Existem muitos colegas que não conseguem lidar muito bem com isso e me entristece muito falar que isso é comum. A gente, como médico, tem que apoiar o nosso paciente”, ressalta a Dra. Mariana, que explica que a principal questão não é o acesso ao conhecimento, e sim a falta de empatia. “Cada relacionamento é um, cada paciente é uma. As pessoas precisam ter mais empatia pelos outros, porque a questão científica, isso a gente aprende a fazer. Espero que a gente consiga mudar esse cenário”, diz a doutora.
No entanto, com iniciativas como a de Nicolle, possuem uma enorme importância simbólica para um grupo enorme de pessoas.
“Penso sempre em como me sentiria, como uma sapatona adolescente, ao ver um material que me identifica pelo que sou e oferece alternativas para cuidado, mesmo que ainda muito improvisadas. Minha experiência enquanto lésbica teria sido muito diferente se tivesse contato com esse material enquanto jovem.”, reflete. “É muito gratificante perceber mulheres de várias faixas etárias se identificando com o material e compartilhando com amigas/namoradas/esposas, para que a informação seja passada adiante”, finaliza.
Encontre mais informações sobre a cartilha aqui.