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Última Página | Um lugar confortável para estar

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Última Página | Um lugar confortável para estar (Thais Menezes/@thamenezes.s)

texto por Isabelle Costa (@avalancheliteraria)
ilustrações por Thais Menezes (@thamenezes.s)

Minhas lembranças mais antigas remetem ao contato com livros e, até aí, nada de extraordinário. Também me lembro de brincar, de desenhar, de implorar para que minha mãe deixasse que eu a ajudasse a fazer brigadeiro. De não gostar muito de tomar banho (coisa que, juro, superei por volta dos dez anos de idade), ou da minha total falta de preocupação em ver o tempo passar. Nada disso, no entanto, resultou em algo fantástico. Quero dizer, além dos meus atrasos, e do talento pra preparar o melhor sanduíche natural que você vai experimentar na vida, não virei desenhista ou chefe de cozinha. Nada que fiz na infância reverberou mais em mim, do que o contato com o livro.

Em dias como esse, em que a gente celebra histórias, me pego pensando no por quê de serem os livros — as feiras em que falam deles, a possibilidade de um dia ter meu nome na capa de um — e não qualquer outra coisa. O desenho, por exemplo, que amo, apesar de não ter talento. Ou os filmes, e toda aquela aura especial da montagem. Por que não me cativei por um esporte de alta performance, ou descobri enquanto assistia ao DVD de High School Musical pela milésima vez que iria me dedicar à música, fazer aula de canto e aprender a tocar piano?

Quando eu era criança passava bastante tempo sozinha, e, não, isso não é um gatilho para uma sessão gratuita de drama. Eu não achava isso ruim: eu lia. De início repudiando os livros que não tivessem figuras, porque achava ler só texto uma coisa muito adulta, e depois aceitando o desafio de costurar as horas — que eram muitas, e eram lentas — só com a companhia das palavras.

Pegava livros emprestados de uma amiga, na biblioteca da escola, e até uns que minha mãe uma vez encontrou numa lixeira perto do trabalho dela — os meus favoritos. E hoje, com essa percepção que só olhar o tempo de frente pra trás nos dá, que me dou conta: foi assim que me tornei uma caça-livro.

Não acontecia muita coisa de diferente na minha vida: era a escola, a praça da cidade de vez em quando, e casa. Eu ainda não morava na cidade mais bonita do mundo: eu ainda não sabia qual seria o meu caminho, muito menos que ele seria tão, mas tão meu. E, quando no silêncio de uma manhã do meu bairro — a casa vazia, e o relógio em contagem regressiva pra hora em que meus pais estariam de volta de novo –, ia até a estante e escolhia o livro do dia.

Na cidade em que não acontecia nada, era assim que tudo mudava. E mudava, também, quando, ao invés da educação física, preferia o livro. Quando aos sábados sentava no banco do salão de beleza pra esperar a minha mãe, dispensando a conversa, e escolhia o livro. Ou quando fazia um passeio pra outra cidade e nenhuma roupa, nenhuma loja de brinquedo, nada: nada me chamava mais, nada tinha um som tão doce, quanto a livraria.

Quando eu era mais nova me sentia esquisita e destacada dos lugares em que costumava frequentar, e foi assim mais ou menos até eu me mudar de escola e entrar no ensino médio. Antes disso, minha identificação mais sincera sempre foram garotas esquisitas e desajustadas, garotas como eu, da ficção: Mia Termópolis, Bella Swan, Suzannah Simon. Garotas que não se importavam se eu era magra demais, que meus dentes eram tortos, nem com a minha infantilidade — ou com o fato de ser a única criança que agia como criança num meio em que todo mundo queria ser adulto. Pra elas nada disso importava.

Não sei que nome a gente dá pra isso, e sei que vão dizer que essas coisas são óbvias: uns gostam de umas coisas, e outros de outras. Mas o que eu tenho com a literatura é algo que transcende o gostar. É uma amizade. Uma cumplicidade. A literatura é a certeza de um lugar confortável pra estar.

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Isabelle Costa 

Fala de livros, escrita, criatividade e inspiração na Avalanche Literária, e desembola os fios soltos em seu blog na internet.

Instagram: instagram.com/avalancheliteraria
Blog: www.avalancheliteraria.com.br

Thais Menezes

Preta, baiana, ilustradora e designer.

Instagram: instagram.com/thamenezes.s
Behance: www.behance.net/thaismenezes

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