A jornalista Carina Pereira, que foi demitida da rede Globo no último dia 5 de janeiro, publicou em suas redes sociais um vídeo em que relata o assédio moral que sofreu na emissora. Pereira trabalhou sete anos na empresa e passou por situações constrangedoras devido ao seu gênero entre 2017 e 2019, quando atuava na parte de esporte da Globo Minas. Segundo a jornalista, suas denúncias no RH e ouvidoria da Globo não tiverem consequências efetivas.
Carina relata que ouviu diversos comentários desagradáveis de colegas de trabalho e seu chefe, por conta de não ter experiência prévia com esporte no jornalismo, mas principalmente, por ser uma mulher. “Já tinha uns dois anos que eu não estava feliz e que aconteceram algumas coisas que foram somando. Eu enfrentei uma redação de esporte, algo que eu nunca tinha trabalhado e que eu não conhecia e nem sabia que seria algo tão desafiador assim. Enfrentei muito preconceito por ser mulher e, principalmente, por não ser desse meio. No começo eram piadinhas dos colegas, algum tratamento diferenciado porque eu não era dali, mas depois começou com o meu chefe. Ele fazia piada, falava: ‘a Carina consegue essa exclusiva aí porque é mulher’. ‘Carina tem o que você não tem’. ‘Carina oferece o que você não oferece’. Quando era colega [fazendo esse tipo de piada] eu retrucava, mas quando era o chefe, não, porque era alguém que eu admirava e respeitava. E eu ficava cala, não sei por que, porque eu não sou de me calar, mas eu ficava calada”.
A jornalista conta que a qualidade de seu trabalho era desqualificada por ser mulher, e diante de um convite para atuar fora da cidade, ouviu comentários que insinuavam que sua presença não seria relacionada ao trabalho. “Em 2018 teve uma viagem que vários colegas foram, cinco, na verdade. E esse chefe foi. Eu ia tirar férias, mas meu outro chefe me procurou e falou: ‘você vai ficar só uma semana, mas aproveita, experiência incrível’. E aí esse chefe disse assim: ‘um absurdo, né? Eu tô indo trabalhar, fulano está indo trabalhar, ciclano está indo trabalhar e só você que não. Engraçado, né? Acho que você está com fama de bonita mesmo, porque os chefes estão pagando hotel cinco estrelas, passagem aérea só pra te ver, pra te conhecer… Poxa, ser mulher é bom demais.’ Eu voltei no outro chefe e disse ‘não quero ir mais, acho que não tem nada a ver, porque eu não vou trabalhar e todo mundo vai trabalhar’. Ele disse que eu iria sim, porque soldado no quartel tá lá pra trabalhar, ‘se ofereça, faça coisas, conte seu projetos, converse’.”
“Chegando lá o chefe de lá elogiou meu trabalho e falou assim: ‘Carina faz sucesso mesmo, ela é até pedida em casamento no Instagram’. E eu ficava calada, mas aquilo me doía. Acabou a reunião e eu tive que ouvri: ‘se fosse eu, fulano ou ciclano, não teria durado cinco minutos, mas mulher, né? Ser mulher é fácil demais. Com você a reunião durou meia hora.’ Nesse dia eu fui pro banheiro e fiquei trancada três horas. Eu não conseguia sair de lá. Eu tinha vergonha, achava que eu tava no lugar errado, que eu não era a pessoa certa pra estar lá. E assim foi um bom tempo”, continua.
Pereira afirma que chegou a se reunir com colegas e denunciar o assédio moral para o RH e ouvidoria da Globo. “O que ele fazia comigo, fazia com outros colegas. E a gente começou a conversar, trocar ideia e resolvemos denunciar. Fomos no RH, não adiantou muito e fizemos uma denúncia na ouvidoria da empresa. Na época, nada aconteceu e eu fui mudada de horário e de função. E as coisas foram só piorando, porque eu era a única mulher dessa galera que denunciou e eu sinto que fui a única prejudicada em tudo. Me falaram que não, que foi uma mudança estratégica, mas eu me sentia mal, porque esse ano, por exemplo, aconteceu uma mudança na apresentação de novo. Os dois apresentadores foram no estúdio, o antigo se despediu, ele continuou se apresentando aos sábados, e por que só comigo não podia? Eu tinha quadros que foram projetos meus, ideias minhas e por que eu não podia continuar fazendo? Aquilo me entristecia. Foi um ano difícil pra mim, o de 2019.”
A chegada de uma mulher como chefe na emissora mineira deu esperanças à Carina, mas a orientação que recebeu foi “esquecer” o que lhe aconteceu. “Em 2020 entrou uma chefe nova e disse ‘vamos passar a borracha em tudo. Te ofereço uma página em branco. Pra isso, eu preciso que você sente com o chefe, a gente conversa e eu vou te orientar. Preciso que você converse como se nada tivesse acontecido. E eu fui. Eu acho que talvez esse foi o maior erro da minha vida, fingir que nada tinha acontecido. Porque aconteceu. A minha sorte foi que isso aconteceu no início da pandemia e eu fiquei de quarentena e fui pra casa. Fiz home office, voltei pra mim, lembrei de quem eu era e de tudo que eu tinha passado na vida. E isso ultrapassou meu limite. Eu não aceitava mais isso. Eu não queria voltar de jeito nenhum. Mas eu não podia pedir demissão porque eu tinha comprado um apartamento financiado e estava com dívidas, porque eu tinha feito reforma. Eu voltei com a certeza que tinha passado do meu limite.”
Com o retorno do trabalho presencial na empresa, Carina não aguentou passar por mais situações de assédio moral. “E quando eu voltei foram piores as condições de trabalho. Foi difícil. Voltei em setembro e em novembro tive uma conversa com essa chefe e fui clara com ela pra saber por que eu não podia fazer coisas para as quais eu fui contratada. Estou aliviada e leve, porque eu descobri que ali pra mim não dava mais. Eu tinha imposto o meu limite. Se fosse diferente, ok. Mas do jeito que estava não dava mais pra mim.”
Confira o depoimento de Carina Pereira na íntegra:
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