“Eu perguntei se alguém poderia me ouvir, enquanto dançava com o diabo. E por causa disso, eu estava cega, mas agora eu vejo. Deixe-me te levar a uma jornada que tira a pele do meu passado e personifica a pessoa que sou hoje. Esta é a arte de recomeçar.” – “Intro”, Demi Lovato.
Depois de três episódios chocantes em seu mais novo documentário, “Dancing With The Devil“, Demi Lovato lança nesta sexta-feira (2) seu sétimo álbum de estúdio. “Dancing With The Devil… The Art Of Starting Over“ vem como uma “trilha sonora não oficial” da produção lançada no Youtube. Com letras sinceras e profundas, a cantora recria sua trajetória com os acontecimentos após “Tell Me You Love Me”, disco antecessor do novo projeto, lançado em 2017.
Quando apresentou a faixa “Sober” – que não entrou neste sétimo álbum – em junho de 2018, Demi Lovato revelou que não estava mais sóbria. Um mês depois a cantora foi internada após sofrer uma overdose que a causou três derrames, um ataque cardíaco, falência de órgãos e problemas de visão que carrega até hoje. Dessa fato em diante, o que aconteceu com a artista encontra-se registrado em forma de 19 faixas, sendo 16 delas, escritas pela própria Demi.
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Antes de adentrar à história do seu renascimento, é aconselhável colocar os fones de ouvido, aumentar o som e não boicotar nenhuma música, assim como a ordem de cada uma delas. “Se você seguir a tracklist na ordem, vai realmente ver como a minha vida tem se desenrolado desde o ano passado” , diz a cantora. Tratando do vício, de distúrbios alimentares, de sua sexualidade e até de um relacionamento que deu zero certo, essa é a versão “nua e crua” de Demi Lovato.
“Dancing With The Devil… The Art of Starting Over” inicia com a lançada em 2019,“Anyone”, seguida de “Dancing With The Devil”, lançada em 26 de março deste ano. Dizer que Lovato tem vocais poderosos é chover no molhado, mas já na duas primeiras canções, quase como um grito de guerra, a cantora entrega potência, coerência e, no caso da segunda, uma produção impecável, com instrumentais bastante trabalhados, mostrando para o que veio.
Ela ainda dedica uma canção à irmã Madison na terceira faixa do álbum. Apenas com o piano, “ICU – Madison´s Lullabye” é realmente como uma canção de ninar e um pedido de desculpas, não só para a irmã, mas também para todos que sofreram com a hospitalização de Demi, sejam familiares ou fãs.
“Eu não queria que seus olhos inocentes me vissem onde estou, tentei te proteger e te manter longe dos meus erros mas eu estou aqui, pra tudo que você precisar” – ICU – Madison´s Lullabye.
Esta é responsável por encerrar o storytelling da overdose sofrida por Demi. Mesclando a letra das três faixas anteriores em “Intro”, Demi dá início à jornada de mostrar seu renascimento da melhor forma possível: através de músicas extremamente sinceras e profundas, que trazem melodias criativas e leves, aliviando o peso dos temas que o álbum traz, mostrando que, ao contrário do que “haters” pensam, ela consegue transformá-los em músicas que transmitem uma boa vibe para quem ouve.
“The Art of Starting Over” e “Lonely People” chegam com uma melodia dançante e bem diferente do início do álbum. Flertando mais com o pop, Demi tem êxito na vibe tranquila e inocente que deseja transmitir, demonstrando que o peso ficou mais para as canções anteriores. Em “The Way You Don’t Look at Me” e “Melon Cake” ela oferece relatos claros de seu tempo trabalhando com gerentes que controlavam o que ela comia e quando ela se exercitava, tentando deixá-la “do tamanho de uma Barbie”. A cantora faz isso ainda de forma leve, com vocais suaves na primeira e uma melodia cativante na segunda.
“E agora eu estou dizendo que não há mais bolo de melão em aniversários, finalmente posso fazer as coisas do meu jeito”– Melon Cakes.
Demi Lovato acertou em cheio nas colaborações que trouxe para o álbum. É inegável que as quatro faixas – sendo três delas colaborações com cantoras femininas – são algumas das mais fortes e bem produzidas do álbum. Todos os artistas casaram muito bem com o estilo e voz da cantora, que, convenhamos, possui uma potência que já se sustenta muito bem sozinha.
Em “Met Him Last Night”, composta exclusivamente para Demi Lovato por Ariana Grande, presenciamos o encontro de duas vozes potentes envoltas a um instrumental poderoso, que parece flertar um pouco com o estilo trap em alguns versos. Com um refrão bastante comercial, a faixa se afasta um pouco do storytelling contado por Demi, por não ter sido escrita pela mesma. No entanto, possui uma produção que se encaixa bastante com as demais canções.
“What Other People Say” segue esse sentido da faixa dita anteriormente. Escrita por Sam Fischer, quem também divide os vocais com Demi, não soa tão pessoal, mas ainda sim casa com a estética que a cantora quer trazer. “Easy”, com Noah Cyrus, revela-se como uma balada poderosa e impressiona com o casamento das duas vozes presentes em uma verdadeira orquestra de piano e violinos.
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“My Girlfriends Are My Boyfriend”, com Saweetie, mostra ainda um lado mais feminista da cantora, que valoriza mais as amigas a um namorado, por exemplo. Os versos da convidada são um complemento interessante e rico à canção. Demi ainda abraça abertamente sua pansexualidade na divertida “The Kind of Lover I Am”. A canção é um marco em sua trajetória, onde pela 1° vez cantou abertamente sobre amar homens e mulheres.
Duas faixas, “15 minutes” e California Sober” possuem melodias mais genéricas e não tão originais quanto o restante do álbum. Um tanto quanto destoadas, elas vencem pelas composições, essenciais para a história que o álbum quer contar. A primeira, claramente remetida ao relacionamento que a cantora teve com Max Ehrich, de quem foi noiva em 2020, fala sobre como foi usada por alguém que só buscava seus 15 minutos de fama.
“Orando em Malibu, orando em Malibu, como você pôde, como você pôde?“, canta referindo-se ao episódio em que Max apareceu rezando em uma praia logo após o término com Demi, e foi clicado por todos os tabloides.
“Sempre se colocando em primeiro lugar, poderia ter sido o seu futuro, mas você nem se importava comigo assim” – 15 minutes.
Já a segunda, é extremamente necessária para mostrar a fase atual da cantora. Nela, Demi conta que está adepta à maconha para relaxar e meditar, ao mesmo tempo em que enfatiza que isso não é retroceder no seu tratamento e que sua recuperação continua.
“Carefully”, “Butterfly” e o cover de “Mad World” são bem intimistas e trazem um lado suave de Demi. As duas canções originais ainda mostram uma certa fragilidade da cantora, mesmo que sem deixar de mostrar a evolução a qual sempre buscou, mostrando que está completamente ciente do que tem a oferecer.
Demi ainda faz um encerramento perfeito com “Good Place”. “Há uma música bem no final do álbum chamada ‘Good Place’ e eu acho que essa letra realmente ressoa mais comigo. Ela diz ‘agora estou em um bom lugar, não preciso mais salvar a cara’”, disse em entrevista.
“Escolhi drogas invés de amor, dinheiro invés de confiança e depois de muito trabalho e muita dor, eu estou em um lugar melhor.” – Good Place.
No geral, Demi Lovato entrega um álbum bastante trabalhado nas letras das diversas histórias que quer contar, com produções que também remetem bastante à canções pop e eletrônicas dos anos 70 e 80, além de uma inegável pitada de Christina Aguilera nas faixas mais focadas no piano e potência vocal. “Dancing With The Devil…The Art of Starting Over” se encerra como uma narrativa chocante, sensível, louvável e que vem com um final feliz. Ou pelo menos, um final que parece agradar Demi Lovato.
Ouça o álbum completo: