crônica por Yasmin Morais (@yasminescritora)
ilustrações por Thais Menezes (@thamenezes.s)
fotografia de Isabelle Costa (@avalancheliteraria)
Era verão. Os raios de sol adentraram a velha livraria como minúsculos convidados desfilando lentamente pelas frestas das janelas. Janette estava sentada sobre a cadeira de carvalho da senhora Moyo, um antigo souvenir de suas viagens a Portugal. Em tardes amarelas como aquela, Janette dirigia-se secretamente à livraria na qual houvera vivido aventuras nos longínquos tempos da infância. A jovem mulher recordava-se, “como se fosse ontem”, das descobertas que fizera nos livros de História, das estrelas talhadas na capa do seu livro favorito e da poesia flamejante de Hilda Hilst, quando a lera secretamente por entre um livro de contos juvenis, aos dezesseis anos.
Seus passos flutuavam sobre a calçada escaldante em tardes como aquela, sua mente repousava nalgum lugar turvo e grandioso, até que o sino envernizado da porta lhe trouxesse ao agora. Janette sempre carregava consigo um livro de poesias cuja epígrafe apontava para um qualquer conselho acerca da existência: “Um coração indomável permanece à espreita, porque nunca sabemos os mistérios que nos aguardam na próxima esquina”. Ela sabia, sabia como quem segura a areia na praia, que tudo e nada poderia acontecer.
A senhora Moyo lhe trouxera uma xícara de chá de canela e limão, Janette folheou as páginas de um livro envelhecido e deparou-se com uma borboleta reclusa entre duas lâminas de plástico. Como que por obra do acaso, algum taxidermista houvera deixado-a ali, naquele velho livro de poemas. E ela, fascinada com o pequeno presente que lhe fora entregue pelo destino, deixou-se transportar novamente àquele lugar grandioso. Onde borboletas sobrevoam livres os campos de lavanda, os pensamentos e as poesias.
Durante anos, Janette considerou-se só. A vida de uma leitora pode ser solitária, se os livros tornam-se o seu portal e a sua fortaleza. Ela fez de sua solidão um confortável lar no qual poderia abrigar-se durante as noites de inverno da alma. Porém, naquela mesma tarde amarelada, o sino envernizado da porta ressoou mais uma vez.
Uma mulher de cabelos esverdeados passou por Janette, deixando-a estarrecida e encantada, porque seus olhos cor de terra eram tudo o que contemplava. A mulher aproximou-se do balcão com uma prece nos lábios enquanto ela a observava sob as páginas do livro.
— Boa tarde, você poderia me informar onde está aquele livro? — Ela perguntou gentilmente a balconista — aquele que possui uma borboleta entre as páginas. Eu sempre o deixo aqui. Não o achei da última vez em que vim.
Ela respirou fundo e segurou o livro com mais força. A mulher virou-se, seguindo o braço erguido da balconista até Janette, que esboçou um sorriso tímido e quase-oco, até que fora retribuída.
Ela não estava só no mundo.
Havia outro coração indomável.
Yasmin Morais é uma ninfa baiana apaixonada por mitologia grego-romana, escritora em tempo integral, estudante de Jornalismo (UFBA), atriz e ativista social. Foi publicada nas coletâneas, “Tributo aos Orixás”, “Profundanças 03” e “Narrativas Negras e Insubmissas”. Atualmente, trabalha em seu primeiro livro. Foi finalista do Prêmio Malê de Literatura 2019 na categoria Conto/Crônica. Sua estreia no teatro ocorreu com o espetáculo “De Ponta Cabeça, Baobá”. Como jornalista, foi uma das vencedoras do 1ª Prêmio Neusa Maria de Jornalismo. Fundadora do primeiro projeto feminista raiz e antirracista, @vulvanegra. Traz conteúdo literário em seu Instagram @yasminescritora.
Preta, baiana, ilustradora e designer.
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