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Cindie

Menina olhando no espelho

Foto: Thinkstock/GettyImages

A vida de Cindie não era a mais interessante do mundo.

Ela não era bonita. Não era popular. Não era magra. Não tinha amigas. Não tinha as roupas da moda.  Na verdade, tudo o que ela tinha era um sonho: Ser uma grande estrela de Hollywood.

Certo dia, na saída da escola, Cindie entrou no banheiro feminino antes de ir para casa. Afinal, durante o intervalo, havia tomado uma latinha inteira de refrigerante.

Estava prestes a sair de sua cabine quando duas meninas, Luana e Marina, que estudavam na mesma classe de Cindie, entraram no banheiro, conversando.
–        Tem gente que não sabe seu lugar, né, Ma? – disse Luana.
–        Eu não acredito que ela teve coragem de se declarar para o Rodrigo. – falou Marina, quase gritando.

O coração de Cindie se apertou.
Na semana passada, Cindie havia se declarado para Rodrigo, um dos meninos mais lindos do primeiro ano. Foi a coisa mais idiota que já tinha feito, mas gostava dele desde a segunda série e só precisava saber… Depois de explicar tudo o que sentia, a única coisa que Rodrigo fez foi olhar para o relógio e dizer que estava atrasado.

Nada parecia pior do que ser rejeitada.
Escondida numa das cabines do banheiro, Cindie teve certeza de que aquelas as duas loiras insípidas falavam dela.
–        Pode acreditar, Ma. Ela disse que gostava do Rodrigo desde a segunda série e que queria chamá-lo para ir ao cinema. O Rodrigo me contou que fez um tremendo esforço para não rir. Tadinha.

Cada gargalhada delas parecia uma pancada em Cindie.
–        Tadinha!? Que nada, Lu. Ela devia se enxergar. Já viu aquele suéter rosa brega que ela sempre usa?
–        E aquele cabelo? Parece que acabou de sair de um filme de terror.
–        Os dentes da frente são tão separados que dá para passar um comboio entre eles.
–        Sem falar que está precisando de uma dieta, né!?
–        Lu, como você é malvada!

As duas saíram do banheiro rindo.
Cindie nunca havia se sentido tão humilhada. E isso doía ainda mais do que ser rejeitada. Seus olhos estavam vermelhos e sua auto-estima, destruída. Saiu do banheiro o mais rápido possível e tomou seu caminho de casa. No portão da escola, viu Rodrigo de longe, mas ele fez questão de ignorá-la. O pior de tudo era que seu coração ainda se acelerava ao vê-lo.
“Idiota. Idiota. Idiota.” Cindie repetia para si mesma.

Aquele dia tinha tudo para ser um dos piores da sua vida.
Estava na esquina de sua rua quando viu um colar perdido na calçada. Era lindo, parecia de ouro, e tinha um pingente de fadinha. Cindie colocou o colar em seu pescoço e foi para casa. Mal sabia ele o que estava prestes a acontecer…

O resto do dia foi como outro qualquer.

Ajudou a avó nos serviços de casa, fez suas lições, entrou na internet por uma hora, assistiu seu seriado preferido e foi dormir.
Perto da meia noite, uma luz forte iluminou todo o seu quarto. Cindie não sabia se aquilo era um sonho ou realidade. A luz se transformou em uma fada azul. Estava sonhando, porque tudo fazia sentido, como se estivesse esperando pela fada há anos. Sentia tanta serenidade que só podia sorrir.
–        Quem é você!? – perguntou Cindie.
–        Eu sou a fada dos sonhos. – respondeu a fada. – Senti que hoje seu coração se encheu de tristeza e a minha missão aqui é te ajudar.
–        Hoje eu descobri que o garoto que eu gosto ri de mim. Eu descobri que os outros me acham feia. Eu queria ser outra pessoa. Eu queria ser diferente. Sei que meus sonhos são impossíveis, mas… Eu não sei… eu me entendo. Acho que as pessoas estão certas… Eu sou louca.

A fada azul sorriu.
–        Sonhos são essenciais. Sem os sonhos, nada existiria. Ouça, Cindie. Eu posso lhe conceder um desejo. Você pode realizar seu maior sonho, qualquer coisa, mas só por um dia.
Um dia não era muito, mas já era suficiente.
Cindie não perdeu tempo:
–        Eu quero ser uma estrela de Hollywood.
–        Uma estrela será. – disse a fada. – Você tem até a meia noite para voltar. Então, aproveite, querida Cindie.

Uma luz azul emanou das mãos da fada azul e atingiu Cindie.
Uma sensação de paz lhe dominou, mas, poucos segundos depois, tudo desapareceu e, para Cindie, só restou escuridão.

Acordou com uma luz forte em seu rosto.
–        Bom dia, flor da manhã. Quer chegar atrasada na sessão de fotos? – uma voz baixinha ressoou pelo seu quarto. – Hoje o dia está cheio, Cindie. Sessão de foto pela manhã, almoçar com o Stan Carter, visitar a nova loja de sapatos da Rodeo Drive, e comparecer ao baile de gala de prefeito em Beverly Hills. O que acha de acordar, tipo… agora?
–        Humm?

Cindie abriu uma fresta dos olhos e gritou.
Estava em uma cama gigante, três vezes maior do que deveria ser… e mil vezes mais macia. Seu quarto era enorme e luxuoso. Saltou da cama e correu até a janela. Estava em Hollywood.
–        O que estou fazendo aqui? – perguntou para a mulher havia entrado em seu quarto e aberto as cortinas. – E quem é você?
–        Ah, sem essa, Cindie. Eu sei que você precisa entrar no personagem do seu próximo filme, mas hoje não é dia.
–        Quem é você!? Onde estou? – perguntou, dessa vez mais alto.
–        Você está na sua mansão de Brentwood. Onde mais podia estar!? E eu sou sua assistente pessoal, Colleen. Lembra, Cindie Cristal? Você me contratou há, mais ou menos, cinco anos.
–        Cindie Cristal?
–        Também não lembra quem é você? – Perguntou a assistente Colleen, em tom cômico. – Cindie não é só a mulher mais poderosa do mundo. É a mais rica também. Três vezes eleita como a mais bonita do mundo, segundo a revista She. E dona de um magnífico Oscar de Melhor Atriz. Pronto? Ou quer mais?

Não era sonho.
E a fada azul não era ilusão. Seu pedido estava acontecendo.

Correu para o banheiro de sua suíte, esperando encontrar no espelho a mulher eleita a mais linda do mundo, mas encontrou o mesmo rosto de sempre, o mesmo cabelo indomável, os mesmo dentes separados.
–        Mas… como? Eu não deveria estar linda?
Colleen apareceu ao seu lado no reflexo do espelho.
–        Pare de se mostrar, Cindie. Você sabe que é linda.
–        Eu sei!?
–        É claro que sabe. Você é um ícone de beleza. Toda mulher quer ser como você. Até eu.
– Colleen consultou seu relógio de pulso.
– Meu Deus, é tarde. Vamos, vamos, vamos…

O motorista de Cindie a levou até o estúdio onde seria a sessão de foto.
Quando saiu do carro, as pessoas que passavam pela rua paravam para vê-la. Alguns tiravam fotos. Outros pediam autógrafos. Havia admiração nos olhos de todos. Pela primeira vez, esqueceu-se da antiga Cindie.

Não estava confiante de que suas fotos sairiam bem, mas, depois de ver as fotos prontas na tela do computador, Cindie se surpreendeu. Ela não precisava ser magra, seu corpo já era bonito.
Almoçar com Stan Carter seria um dos maiores desafios daquele dia. Nem mesmo sabia quem era esse tal de Star Carter.

Por sorte, Colleen estava ao seu lado.
–        Hoje você está mesmo estranha. Stan Carter é um dos diretores mais bem sucedidos de Hollywood. Todos os filmes dele são sucessos de bilheteria. Você me disse ontem mesmo que estava ansiosa para conversar com ele.
–        Eu disse?

Colleen só revirou os olhos.
Ao lado de Stan, nem viu o tempo passar.
–        Você é a atriz certa para o meu filme. Você é a única pessoa no mundo que vai conseguir interpretar essa personagem. Só você pode interpretar Afrodite, deusa da beleza.
–        Posso te fazer uma pergunta, Stan? – Cindie disse.
–        É claro.
–        Por que eu?

Stan a encarou em silêncio, incógnito.
–        Como assim?
–        Eu não sou bonita. Por que todos me tratam como se eu fosse?
Stan riu.
–        Todas as mulheres são bonitas, Cindie. A única diferença é que algumas se olham no espelho e vêem essa beleza, enquanto outras ainda não abriram os olhos. Todas as mulheres são lindas. Você só precisa abrir os olhos.

O almoço terminou tarde.
Ao sair, Cindie viu seu reflexo nas portas de vidro do restaurante. Seu cabelo estava maravilhoso. Seus olhos brilhavam. Seu andar era altivo. Ela não pôde deixar de sorrir. Nunca havia se sentido tão feliz.

A tarde de compras na Rodeo Drive com Collen fez Cindie se esquecer de tudo.
Centenas de sapatos, bolsa, autógrafos, paparazzis, vestidos, jóias, sacolas e fotos quase a fizeram gritar de alegria. Naquele momento, ela era a deusa da beleza.

À noite, Cindie compareceu à festa de gala do prefeito.
Todos queriam a atenção dela. Eram os homens mais lindos de Hollywood. Em momento algum se lembrou que, assim que o dia acabasse, também acabaria aquela vida. Cindie apenas aproveitou o momento e foi feliz.

Antes da meia noite, voltou para sua mansão em Brentwood.
E adormeceu em sua cama majestosa.
Acordou em seu antigo quarto.
Mas, quando se olhou no espelho, tudo estava diferente. Cindie estava linda, embora o rosto fosse o mesmo. Mas ela tinha aberto os olhos. Ela finalmente via sua própria beleza. E nunca estivera tão feliz.

Vestiu o suéter rosa e foi para a escola.
Daquele dia em diante, Cindie não se importava mais com a opinião dos outros a respeito dela. Cindie não se importava mais com a beleza comum. Ela era única. Ela se respeitava. Ela se amava.
Sobre Rodrigo, ele até que tentou falar com Cindie novamente, mas ela não estava mais interessada. Como poderia ter recusado uma menina tão incrível?

Os anos se passaram.

Mas Cindie nunca deixou de acreditar que, um dia, seu sonho se tornaria real.
Quando terminou o Ensino Médio, fez suas malas e viajou para Hollywood. Em seu quinto teste, encontrou um rosto conhecido. Stan Carter. Ele sorriu e falou:
–        Estou procurando a pessoa perfeita para meu próximo filme, Afrodite. Assim que estiver pronta, pode começar.
–        Estou pronta!

Kamila Denlescki tem 23 anos, mora em São Paulo, é escritora, apaixonada por chocolate, maluca pelo Guns n’ Roses, desenhista compulsiva, e fã de qualquer coisa que venha do Japão. Cresceu em Santo André e estudou na ECA/USP. Escreveu seu primeiro romance em 2009 e, atualmente, está trabalhando no design de uma nova rede social.

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