É bem provável que você já tenha ouvido falar sobre apropriação cultural, afinal, o termo ganhou bastante destaque nos últimos anos e vem sendo cada vez mais falado e discutido na nossa sociedade. Mas se você ainda tem dúvidas sobre o que ele realmente significa, não tem problema, miga! O importante é querer aprender. E para te ajudar a ficar por dentro do assunto, Todateen conversou com diversas mulheres que têm muito a dizer sobre o tema. Vem ver!
O termo e a sua importância
Quando falamos sobre apropriação cultural, estamos falando de um problema que envolve toda a nossa sociedade, a qual, como sabemos, é formada por grupos diversos e culturalmente diferentes. O problema consiste exatamente quando um grupo dominante se apropria da cultura de um grupo marginalizado, transformando-a em mercadoria. “[A apropriação cultural] é um fenômeno estrutural e racista porque, à medida em que se apropria de elementos dessas culturas, esvazia seus sentidos e significados, muitas vezes os reduzindo à exóticos”, define Luana Protazio, fundadora da página Elogie uma Irmã Negra.
Na prática, isso quer dizer que elementos tão importantes para a história e cultura desses grupos discriminados, acabam se tornando apenas “elementos de decoração e comércio” para um grupo dominante.
Falando especificamente de Brasil, é muito comum que a maior parte das questões envolvendo apropriação cultural digam respeito a conflitos entre população negra e branca, afinal, temos um histórico de 300 anos de escravidão no país. E, segundo dados do IBGE de novembro de 2017, por aqui 44,2% das pessoas se declararam brancas, 8,2% pardas, e 46,7% se autodeclararam negras.
Independente disso, no entanto, é importante lembrarmos que apropriação cultural diz respeito a qualquer cultura marginalizada. “Há um item da cultura indiana, o bindi, que era um símbolo tradicional de proteção feminina, e que hoje deixou de ser um item religioso para se tornar um item decorativo, utilizado inclusive por mulheres ocidentais“, lembra a cabeleireira Titta Santos de Queiroz do Titta Crespos e Cachos.
Apropriação cultural e cabelo afro
Quando o assunto diz respeito, no entanto, a questões que envolvam a cultura afro, alguns tipos de penteados, como as trancinhas, e o uso de alguns adereços, como o turbante, costumam estar no centro das atenções. Para compreender o motivo disso, no entanto, é preciso primeiro entender a importância que esses dois elementos têm para esse povo.
“O turbante é um ornamento de símbolo religioso em várias culturas. No Brasil, além do uso em religiões de matriz africana, o uso social simboliza resistência e afirmação sobretudo para mulheres negras”, aponta Luana. “O cabelo sempre carregou grande simbologia para negros e negras. Em países do continente africano, penteados como as tranças podiam indicar status, região geográfica, classe social, identidade étnica, etc. Atualmente, elas simbolizam toda uma história e herança cultural.”, explica.
As tranças, inclusive, são um penteado bastante importante para mulheres negras que passam pela fase de transição capilar, um processo de aceitação do cabelo natural. Stephanie Pereira, jornalista e criadora do site Cabelo Afro, explica a importância das box braids (um tipo específico de trançado) nesse processo. “As box braids são bastante adotadas na fase de transição capilar porque funcionam como um penteado protetor do cabelo. Pra quem não sabe, penteados de proteção (ou penteados protetores) são aqueles em que, de alguma forma, o cabelo não está sendo usado solto. Muitas mulheres têm dificuldades em alcançar um cabelo longo, ou fios com o comprimento desejado, porque enfrentam a quebra durante o manuseio. Os penteados protetores ajudam a sanar esse problema, porque quando o fio está preso, ele não está em contato com agentes externos que poderiam quebrá-lo”, esclarece.
Tranças e turbantes
Assim, seja no auxílio da transição capilar, tão importante para mulheres que querem aceitar sua beleza natural, quanto na simbologia de resistência que carrega, tranças e turbantes são elementos muito usados, valorizados e importantes dentro da cultura afro. O que nos leva a questões muito importantes: garotas brancas podem usar esse penteado ou ornamento nos cabelos? Isso é uma forma de apropriação cultural?
As respostas para essas perguntas, no entanto, não são as mesmas entre as garotas. Para Titta, “[trança] é uma apropriação cultural, sim. Principalmente porque quando uma branca usa trança ou dread, ela é descolada e moderna. Agora, quando uma negra utiliza o mesmo, ela é vista com uma pessoa suja. E este penteado é da cultura negra. Entende como não é justo?”, explica a cabeleireira. Já a visão de Bruna Nekis, da trançaria Beauty Club, é um pouco diferente. “As garotas brancas podem e devem usar o que elas quiserem, tanto turbantes quanto tranças. Nada é de ninguém.” E ainda complementa. “Para que se apegar em quem usa e quem não usa turbantes ou tranças… Somos todos um!”.
Luana Protazio explica sua visão sobre o assunto apontando a apropriação cultural como um fenômeno estrutural e não de indivíduos. “O debate não deve ser em torno de uma garota branca usando ou não tranças, mas sim sobre o que isso representa culturalmente e estruturalmente. Claro que há aspectos subjetivos dessa situação. Se ocorre o incômodo com o uso estético desses elementos, é justamente por sabermos que essa tendência não reflete em melhores condições sociais para os grupos marginalizados.”
Blackfishing
Recentemente, discussões a respeito de apropriação cultural voltaram a ganhar espaço na mídia e nas redes sociais por causa do fenômeno chamado “blackfishing”. O termo vem do inglês e diz respeito a mulheres brancas que, utilizando-se de diversos elementos e processos como roupas, penteados, bronzeamentos e até cirurgias plásticas, se “apropriam” de uma identidade negra e muitas vezes até se passam por mulheres negras nas redes sociais.
A modelo sueca Emma Hallberg é uma das digital influencers acusadas dessa prática. Uma imagem que circulou bastante pelas redes sociais nos últimos tempos compara o antes e depois da influenciadora, que hoje em dia possui uma conta no Instagram com mais de 280 mil seguidores.
“Acho que essa tem sido a parte mais dolorosa dessa história toda. Vi mulheres brancas se vestido e agindo como negras, e doeu bastante. Fazer uma maquiagem para ficar parecida com uma negra é fácil, quero ver é se colocar realmente no nosso lugar”, desabafa Titta sobre a prática do blackfishing.
Aqui no Brasil, Bianca Andrade, a Boca Rosa, também recebeu diversas críticas relacionadas ao assunto por uma foto postada em seu Instagram. Na imagem, a youtuber aparece com cabelos crespos, bem diferentes dos seus fios naturais. Segundo ela, seu cabelo ficou assim depois de retirar as tranças que estava usando, e os comentários postados na foto parecem se dividir entre aqueles que não viram problema na postagem, e aqueles que apontam o fato de uma garota branca receber elogios pelos seus cabelos crespos, enquanto garotas negras costumam ser hostilizadas pelo mesmo motivo.
“Quando mulheres brancas fazem blackfishing elas estão se apoiando em seu privilégio racial para ganharem pontos dentro do que é considerado uma tendência para elas, mas que para nós segue sendo nossa luta por existência. E elas ainda lucram com isso, mercadologicamente e socialmente. Hoje em dia é legal ser negro, desde que você não seja negro”, pontua Luana.