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Não existe estupro culposo: entenda de uma vez a sentença do caso de Mariana Ferrer

Não existe estupro culposo: entenda de uma vez a sentença do caso de estupro de Mariana Ferrer
Não existe estupro culposo: entenda de uma vez a sentença do caso de estupro de Mariana Ferrer

Aviso de gatilho: o texto abaixo aborda assuntos sensíveis. Se você não estiver em um bom momento, deixe a matéria para depois. <3

André de Camargo Aranha, acusado de estuprar a jovem catarinense Mariana Ferrer, de 23 anos, durante uma festa em 2018, voltou a ser motivo de revolta nas redes sociais. Isso porque, dois meses após o fim do julgamento do empresário, o site The Intercept divulgou uma série de imagens inéditas sobre o caso na última terça-feira (3).

André foi julgado inocente pois, segundo o promotor responsável do caso, Thiago Carriço de Oliveira, não teria como o empresário saber, durante a conjunção carnal (ato sexual), que a modelo não estava em condições de consentir a relação, não havendo portanto a “intenção de estuprar”. O juiz Rudson Marcos, 3ª Vara Criminal de Florianópolis, aceitou a argumentação e absolveu réu.

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No entanto, a revolta só continua. Como se já não bastasse, no vídeo divulgado pelo Intercept vemos Mariana sendo humilhada pelo advogado de defesa de Aranha – algo que, é necessário frisar, não deve nunca acontecer no processo civil, já que as perguntas e/ou se dirigir à testemunha é algo vedado. As questões devem, portanto, serem direcionadas ao juiz e este sim deverá gerir a discussão. O que não aconteceu.

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Na tentativa de reforçar a consensualidade do crime, a defesa do empresário exibiu, de maneira humilhante e desrespeitosa, cópias de fotos sensuais da jovem, enquanto trabalhava como modelo antes do ocorrido. O advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho – um dos advogados mais caros de Santa Catarina que já representou Olavo de Carvalho (representante do conservadorismo no Brasil) e chegou a defender a ativista antiaborto Sara Winter quando ela foi presa pela Polícia Federal – analisou as imagens (que nada tinham a ver com o caso em questão) e as definiu como “ginecológicas”. Além de achar coerente afirmar que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana e  repreender o choro da vítima durante a situação: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.

Durante o interrogatório, Mariana se pronunciou. “Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito, nem os acusados de assassinato são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, fala. Em seguida, o juiz, Rudson Marcos – que quase não interferiu na situação –  avisa a jovem que vai parar a gravação para que ela possa se recompor e tomar água, pedindo para o advogado manter um “bom nível”.

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A repercussão do caso chocou mais uma vez e causou uma enorme revolta nas redes sociais, fazendo com que a hashtag #JustiçaPorMariFerrer voltasse aos trending topics do Twitter. Na internet, em razão da explicação do promotor ao argumentar de que não houve a intenção de estuprar, a expressão “estupro culposo” – que não foi utilizada no caso – viralizou como forma de manifestação e indignação.

Mas, afinal, existe mesmo na lei o crime de “estupro culposo”?

“Não. Em nossa legislação, o crime de estupro não é admitido em sua forma culposa (quando não há a intenção do resultado), mas apenas na forma dolosa, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.”, explica a advogada Marjory Hirata, formada na PUC/SP, produtora de conteúdo e administradora da página @socorrojuridico, no Instagram.

“Em regra, ninguém pode ser punido por crime cometido na modalidade culposa, a não ser quando a lei permite expressamente, o que não é o caso do estupro. O termo ‘estupro culposo’ foi cunhado pela mídia como um artifício jornalístico para resumir o caso e explicá-lo para o público geral.”, disse a profissional, que ainda explicou com mais detalhes o que aconteceu no caso de Mariana.

“O que houve foi a denúncia de acusação de André pelo crime de ‘estupro de vulnerável’, cometido quando a pessoa, independentemente de violência ou grave ameaça, pratica atos sexuais com outra que, no momento da ação, estava sem condições de consentir com o ato, como no caso de Mariana, que alegou estar alcoolizada.”, falou.

Marjory ainda ressaltou que existem diversas informações circulando pela web. “Há uma confusão generalizada sobre o assunto, mas a decisão considerou que André não teria como saber sobre o estado alcoolizado de Mariana e sua consequente incapacidade de consentir com o ato sexual, caracterizando o chamado ‘erro de tipo’.”, disse ela, explicando que casos como este excluem a prática de crimes dolosos e, justamente pelo estupro não admitir forma culposa, o empresário foi absolvido.

Além disso, a empresária ainda explicou que, apesar de proteger valores constitucionais, o crime de estupro não está previsto na Constituição Federal, mas sim no art. 213 do Código Penal. “Se caracteriza por atos que visam ao constrangimento de alguém, por meio de violência ou grave ameaça, para ter com esta pessoa a conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso, ou seja, o ato praticado por abusador para forçar a vítima a praticar sexo ou outros atos sexuais, mediante o uso de força ou de ameaça.”, disse.

O que é, então, “erro de tipo”?

Em entrevista à todateen, Marjory ainda explicou o que é “erro de tipo” e, nesse caso, quais seriam as possíveis consequências para o agressor.

“O erro de tipo ocorre sempre quando a pessoa não se dá conta de que está praticando um crime, situação que acaba por excluir o ‘dolo’, mas permite a punição por crime ‘culposo’, se previsto em lei. A consequência da exclusão do dolo é a possibilidade de punição apenas para infrações penais que admitem formas culposas. Não haverá crime, contudo, se o crime não prever a forma culposa, como no caso do estupro, ora analisado.”, explicou.

No caso de Mariana, o “erro do tipo”, diz respeito à percepção de Aranha de que a jovem seria capaz de consentir com o ato sexual, pois, segundo ele, a modelo não parecia estar alcoolizada a ponto de não conseguir consentir com a conjunção carnal.

“O juiz igualmente entendeu que André não tinha como perceber uma vulnerabilidade da vítima, pois ela não estaria em estado de incapacidade de consentir, ou seja, entendeu que, apesar de constatada a ingestão de álcool, não teria sido suficiente para torna-la incapaz de consentir com o ato sexual e aparentava estar bem. E, com isso, decidiu por absolver André.”, explicou a advogada.

Entendendo a absolvição de André de Camargo Aranha

No início, o Ministério Público considerou a acusação de crime como estupro de vulnerável, focando no estado de incapacidade temporária (termo legal) de Mariana. “No curso do processo, entretanto, não teria conseguido reunir provas suficientes para comprovar o seu estado de incapacidade.”, disse Marjory.

“Após a troca de promotores responsáveis pelo caso, que ocorreu próximo ao julgamento, o novo promotor justificou a ausência de provas específicas para pedir a improcedência da própria denúncia. Já o assistente de acusação, advogado de Mariana, prosseguiu com a acusação inicial.”, explicou a advogada, que enfatizou que não é possível confirmar todas as informações.

“O processo tramita sob segredo de justiça, portanto não podemos dizer se as provas foram colhidas em tempo hábil para constatar o fato, ou se foram devidamente avaliadas, por exemplo, mas o que se sabe até agora é o que está na sentença, disponibilizada em sites da internet. Inclusive, houve quebra de violação de sigilo no caso, tanto pelos vazamentos de trechos da audiência quanto da sentença.”, ressalta.

Como profissional das leis, Marjory refletiu, ainda, sobre o modo em que foi executada a audiência de Mariana. “Foi absurda e faltou o respeito à sua dignidade durante a sessão. A pessoa que está na posição dela já está exposta a muitos julgamentos morais e não é em uma sessão de audiência que esse tipo de comportamento deve ser mantido. Muito pelo contrário. É o local em que se deve preservar as partes e se atentar única e exclusivamente à comprovação ou não da realização do crime, sem ataques pessoais.”, disse.

O caso Mariana e outras vítimas de estupro e assédio sexual

Com diversas mulheres simpáticas e sensibilizadas com o caso de Mariana, a forma como as coisas transcorreram é extremamente alarmante, podendo abrir precedentes e desencorajando outras vítimas de realizar denúncias e buscar justiça.

“A tese jurídica do ‘erro de tipo’ em caso de crime de estupro de vulnerável mostra uma grande dificuldade para as vítimas. Já é difícil colher as provas a tempo de comprovar o estado de temporário de incapacidade pelo uso de álcool após o abuso e o caso de Mariana revela esse problema para as possíveis vítimas.”, fala Marjory.

“A sociedade precisa aprender a educar os jovens, mais do que apenas proteger as vítimas. À estas, geralmente se recomenda não se vestir de uma forma x ou y, de não ingerir álcool ou entorpecentes, de evitar usufruir de suas liberdades para não ser atacada – já prevendo que essa é uma realidade. Porém isso precisa mudar.”, disse.

“É inegável a necessidade de ensinar aos jovens valores relacionados à igualdade de gênero, buscando formar uma nova geração de cidadãos preocupados com o tema. A mudança só pode vir por meio da educação e conscientização.”

Relembre os detalhes do caso

Para quem não se recorda, foi em julho de 2019 que Alexandre Piazza, o primeiro promotor a assumir o caso de Mariana, denunciou André de Camargo Aranha por “estupro de vulnerável” (previsto no artigo 217-A do código penal), isto é, quando a vítima está sob algum efeito de álcool ou de qualquer outra substância entorpecente e não é capaz de consentimento, de se defender ou de oferecer resistência. Além disso, Piazza também havia pedido a prisão preventiva do empresário, que inicialmente foi aceita pela justiça mas depois foi derrubada em uma liminar na segunda instância pela defesa de Aranha. As únicas medidas cumpridas pelo réu foram cautelares, como por exemplo a apreensão de seu passaporte.

Segundo informações do Intercep, o promotor considerou como prova o material genético colhido na roupa da modelo e também um copo no qual Aranha bebeu água durante um interrogatório na delegacia. Além disso, a mãe de Mariana, Luciane Aparecida Borges, afirmou ter sentido um cheiro intenso de esperma/sêmen quando a filha chegou em casa após a festa. De acordo com ela, a filha não costumava beber e nunca havia chegado em casa em um estado como aquele. O motorista do Uber, que levou a jovem para casa, quando citado por Piazza, revelou que ela passou a viagem inteira chorando e conversando com a mãe pelo telefone. Ele também afirmou que ela parecia estar sob o efeito de drogas.

No entanto, o entendimento do Ministério Público sobre o que ocorreu naquela noite foi alterado nas alegações finais. Lembrando que Piazza deixou o caso para, segundo o próprio MP, assumir outra promotoria, e quem assumiu o processo foi Thiago Carriço de Oliveira. E é na apresentação final de Oliveira que aparece a tese do estupro “sem intenção”.

Para ele, tendo como base as provas e os exames toxicológicos que não reconheceram nem álcool nem drogas no sangue de Mariana naquela noite, não é possível, portanto, comprovar que a jovem não tinha capacidade para consentir com o ato sexual. Desqualificando, assim, o crime de estupro de vulnerável descrito na denúncia. Além de apreender, em sua opinião, que a modelo poderia, sim, estar sóbria. Já que nas imagens captada pelas câmeras da rua, da Polícia Militar, ela sai do Café de la Musique e se desloca até outro beach club em busca das amigas.

Outro aspecto do caso é que André de Camargo Aranha, em seu primeiro depoimento, prestado em maio de 2019 na delegacia, negou que tivesse tido qualquer contato com Mariana. Em 2020, quando prestou depoimento em juízo, alterou o que havia previamente alegado, afirmando ter feito apenas sexo oral nela. Segundo ele, a jovem teria se aproximado dele e feito um carinho em seu cabelo. Logo em seguida, ele disse que ela pediu para ir ao banheiro – momento que vemos as imagens da câmera em que sobem as escadas para usar o toalete do camarim restrito. Nessa situação, então, Aranha afirma ter feito sexo oral nela e logo depois deixado o local.

O juiz Rudson Marcos, ao concordar com a tese do promotor e aceitar o pedido de absolvição, afirmou que é “melhor absolver 100 culpados do que condenar um inocente”. Até o momento, as informações são de que a defesa de Mariana recorreu da decisão.


Caso você passe por qualquer situação de violência, assédio ou estupro e/ou seja testemunha de uma, o canal 180 – Central de Atendimento à Mulher – tem como objetivo receber denúncias e orientar mulheres sobre seus direitos. As queixas podem ser feitas de forma anônima e é importante fornecer a maior quantidade de informações possíveis. Lembrando também que o fato da denúncia ter sido feita pelo telefone não impede que a vítima vá até uma delegacia realizar um boletim de ocorrência.

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