texto por Ana Caetano (@anacaetanoc) e Vitória Falcão (@vitfalcao)
ilustrações por Thais Menezes (@thamenezes.s)
Ana Caetano
Oi, mãe.
Sei que guardo muitas palavras quando na minha frente você tá. Não sei porque, talvez porque não precise dizer muita coisa pra que você saiba, talvez por me entreter fácil com seus mimos ou talvez pela quantidade de fofoca que a gente compartilha. É bem provável que a última opção roube muitas palavras bonitas e as substitua por bobas, mas eu amo dizer e ouvir coisas bobas com você. Eu amo mais isso do que te escrever uma carta estando tão longe e olha que sou uma apaixonada por cartas.
Lembro de muito pequena viajar sozinha pra Goiânia na casa das minhas tias e, quando anoitecia, sentir uma vontade maior do que eu de sair correndo de volta pra Araguaína de tanta saudade. Esse era meu dilema de todas as férias: queria ir pra cidade grande pra ir ao cinema e comer fastfood, mas no findar do dia, eu só queria dividir paredes e cômodos com você.
Quando o dia amanhecia tava tudo bem, mas ficava torcendo pro sol ir embora devagar pra que a noite e a saudade demorassem chegar. Não sei o que o anoitecer e mães tem a ver, mas espero que tenha algo grandioso o suficiente que justifique o mico de passar pra sua cama e dormir de ponta a cabeça até os 11 anos e de me sentir no lugar mais seguro ao olhar pro lado e ver seu pé com as unhas quase sempre feitas. Isso diz muito sobre como eu sou medrosa, claro, mas diz mais ainda sobre como me sinto cuidada e protegida e amada quando estamos juntas. E essa lembrança toda é pra dizer que ainda hoje é assim. Às vezes, só queria que o quarto aqui ao lado fosse o teu e que eu pudesse atravessar o corredor e entrar nesse espaço sagrado onde nenhum fantasma ou monstro ou ansiedade ou problemas da vida adulta ousariam entrar.
Mãe, eu preciso te contar várias coisas. Tipo, como é engraçado saber da sua fé e da sua coragem e te ver morrendo de medo de elevador. Saber da sua paixão por plantas e por jardinagem e te ver comprando um arranjo de flores de plástico. Que a declaração que você fez pro meu pai naquele outdoor brega é a coisa mais linda do mundo pra mim e que me faz ter vontade de viver um amor muito maior que as minhas amarras, assim como você viveu e vive. Que adoro minhas mãos serem parecidas com as suas e que o tempo todo me pego com trejeitos que sei que também são seus. Que é muito bonito quando você chega numa cidade nova e, igual uma criança vendo coisas pelas primeira vez, quer mostrar tudo pro meu pai falando: “olha bem, uma farmácia” “olha bem, como essa casa é antiga” “olha essa praça, bem”. Que eu fico muito brava porque você parou de tocar piano, mas que também fico muito feliz quando você toca aquela única musica que ainda tá na memória dos seus dedos. Que eu amo quando você escuta meus conselhos e não só quer dá-los. Que me divirto em te confidenciar meus dramas. Que o seu vestido de noiva é muito a frente do tempo e muito cool e que, sem a menor dúvida, Duda Beat usaria hoje mesmo. Que queria que você nunca tivesse me deixado comer miojo. Que eu sou muito grata por você ter me amamentado por dois anos e nove meses e salvar minha imunidade. Que sinto sorte em ser parte, junto de meus irmãos, da continuação da sua história nesse plano
E, sobretudo, que eu te amo, eu te amo muito.
Feliz dia das mães!
Vitória Falcão
Talvez eu não diga com frequência o quanto sou agradecida por ser filha de Dona Isabel, então faço aqui as vezes, num eu x pra você x pra um monte de gente.
Atribuo muito do que eu sou a senhora, mamãe, como toda filha se enxerga na figura da mãe e aí se vão as explicações da psicologia se estendendo pra o caminho do que é nossa visão no outro e nossas primeiras primeiras coisas.
Na naturalidade e aleatoriedade da vida, você foi meu portal maior, e seguiu, em perspectivas diferentes, junto a outras tantas peças do quebra cabeça de minha construção. Vou dizer de três das coisas que quando busco em mim raiz, vejo você:
Do que eu sei sobre coragem e tento chegar, nem que seja um pouquinho perto da sua.
Do que entendo sobre amor e cuidado, e nisso é quase como se minha cabeça grifasse sua vivencia, porque sempre penso, que uma mulher que cresce numa família de sete mulheres e é a mais velha de seis irmãs…
– Eu aprendi de uma fonte muito vivida que cuidado é como uma extensão do amor, e ele é, definitivamente, um sentimento de ação.(aqui vai um beijo a todas minhas tias, que são minhas mães, e pra minha vó, que é minha mãe duas vezes.)
E sobre ser mulher. Porque nem os endurecimentos do machismo ou verdades absolutas da religião, fez sua voz titubear. Sempre te assisti potente, liberada, em suas vontades, em seu corpo.
Tem sido a mim recorrente a lembrança de como cresci, e esses dias fiquei tentando resgatar meus pensamentos de criança, e uma coisa engraçada que eu não me dei conta até me tornar adulta é que enquanto eu crescia, eu te assistia viver, e crescer também.
As diretrizes hierárquicas que eu associava como respeito, te colocavam num pedestal como se você soubesse tudo desde sempre e assim seria, porque mãe é mãe e pronto, cabosse.
Mal sabia Vitórinha nossas trilhas e caminhos pela frente.
Os dias passam e eu humanizo mais e mais nossa relação, não sei se essa é uma boa palavra pra o que eu tou tentando dizer, mas é mesmo sobre desestruturar os conceitos e se perceber vindo da mesma fonte, com jornadas diferentes e cruzadas pelo belo acaso que é a vida.
E a mim foi concedido um espaço muito lindo, lá no interior da Bahia, no útero dona Maria, que ainda não devia ser “dona” em sua primeira gestação, enfim, por sei lá qual mês se faz ovários do bebe fêmea, que no caso era você. Eu ainda não estava lá, porque pra isso, precisaríamos do meu pai, mas minha primeira casinha tava. E então, uns 30 depois? Num balanço de rede dando um enjoo esquisito, amamentando sua primeira cria, vem uma gravidez que você nem esperava. E chego eu, pra chutar a porta da caçulisse que mais tarde seria dissolvida e transformada no posto de 2a filha, a carismática.
Essas andanças todas pra lhe dar mais um feliz dia, dessa vez com câmeras e plateia quase como minhas invenções de criança que te fazia um show no meio da sala. Obrigada por todas as coisas que sei dizer, pelas que não sei, e pelas que eu quero e vou aprender.
Te amo.
Duo formado por Ana Caetano e Vitória Falcão.
Instagram: instagram.com/anavitoria/
Preta, baiana, ilustradora e designer.
Instagram: instagram.com/thamenezes.s
Behance: www.behance.net/thaismenezes
Confira todos os textos da Última Página aqui!