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O que é ser preta e brasileira: mulheres contam suas experiências e sentimentos em meio ao movimento “Vidas Negras Importam”

Reprodução / Instagram

No último dia 25, a polícia foi acionada em Minneapolis, nos Estados Unidos, por um funcionário de uma loja que disse que um cliente havia dado uma nota falsa de US$ 20 a ele. O homem em questão era George Floyd. Policiais logo chegaram ao local e, nas imagens seguintes que viralizaram na internet, George já estava imobilizado pelo joelho por um dos policiais, Derek Chauvin, dizendo que estava com dor no estômago e que não conseguia respirar. A autoridade continuou a asfixiá-lo até a morte.

Nesta terça-feira (2), a mãe de Miguel precisou trabalhar mesmo diante das demandas de isolamento social, e deixou o filho sob os cuidados da patroa enquanto passeava com os cachorros da mesma. O menino quis encontrar a mãe, e a mulher permitiu que  menino de cinco anos procurasse sozinho por ela. Miguel morreu ao cair do nono andar.

Em 20 de setembro de 2019, a menina Ágatha, de 8 anos, foi morta quando voltava para casa com a mãe, na noite de sexta-feira (20), no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. A criança estava dentro de uma Kombi, por volta das 21h30, quando foi baleada nas costas na comunidade da Fazendinha. De acordo com um tio de Ágatha, a Kombi em que a menina estava parou na rua para desembarcar passageiros com sacolas de compra na comunidade. A criança estava sentada dentro do veículo quando foi atingida.

A população negra tem 2,7 mais chances de ser vítima de assassinato do que os brancos. A informação vem do artigo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, divulgado em novembro de 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Até quando será normal que a estatística seja mais dolorosa para a população preta no Brasil? Tantas mortes, de adultos e crianças, indignaram o mundo, e desde o assassinato de George Floyd, diversos protestos antirracistas tem tomado conta das ruas.

Para entender um pouco mais sobre essa luta, a todateen escutou mulheres brasileiras que relatam a luta diária que enfrentam diariamente, causa que vem muito antes do surgimento do movimento “Black Lives Matters” e a qual esperamos ter mais força e efetividade após tantos atos e pronunciamentos.

Carolina Andrade é influencer de body positivity e preta. Seu blog “Diário de Uma Gorda” foi criado para ajudar na autoestima de mulheres que sofrem com a pressão do “corpo perfeito”. Entretanto, a gordofobia não é o único preconceito que atinge Carol.

“Infelizmente já sofri racismo. Trabalhei em um bairro considerado de classe ‘A’ em Campinas. Estava fazendo compras em uma padaria quando uma moça ficou com medo de eu lhe assaltar. Ela notificou a atendente, tirou as coisas de perto de mim, principalmente o celular. O atendente veio falar comigo e isso me machucou bastante, meu celular na época era até mais tecnológico do que o dela, mas nada importa. ‘Só porque eu sou negra não posso ter um telefone como você, não posso ir na padaria, não posso consumir?’. Saí de lá chorando, foi a primeira vez que eu sofri racismo e não sabia falar, não sabia que estava acontecendo comigo”.

Bel Oliveira também se identifica com a situação vivida por Carol, e afirma que o Brasil é só um dos países com situações como essa. “O caso que mais me marcou foi ser acusada de roubo em um supermercado na Itália, na cidade de Ferrara, onde estudo Ciência e Tecnologia da Comunicação. Foi muito doloroso e humilhante ter que me defender e sinto dizer que não foi a primeira nem a última vez que sofri racismo também fora do Brasil”.

A maranhense mora atualmente na Suíça. Formada em Comunicação em uma faculdade italiana, ela já viveu em quatro países e está sempre dando dicas de viagem, contando sobre como é viver no exterior. Tudo do ponto de vista de uma mulher negra. Bel conta que o racismo apareceu em sua vida de diversas formas, desde comentários feitos por colegas que a machucaram até sua vida amorosa.

“Houveram ofensas raciais na adolescência vindas de colegas da escola que se divertiam ao me humilhar e praticavam o que conhecemos como racismo recreativo; por ter frequentado boas universidades e ambientes majoritariamente brancos no Brasil, era sempre “confundida” com a atendente da loja ou a empregada doméstica da casa de algum amigo e finalmente por não me encaixar nos padrões de beleza eurocêntricos do Brasil, a possibilidade de um relacionamento afetivo quase sempre me foi negada por ser preta”.

MC Soffia tem 16 anos e revela que seu nascimento já contou com um grave episódio de racismo. “No hospital, minha mãe estava lá para me parir junto com outra mulher que não era negra. Os médicos deram todo o apoio para ela e com a minha mãe não. Como se pensassem: ‘Ah negra é forte, ela aguenta, está trazendo mais uma negra para a sociedade’. Esse é um ato de racismo, já nasci ali. Na escola, sofri muito preconceito. Esse é nosso primeiro contato com o racismo e ainda não sabemos muito bem com o que vamos lidar. Antes de entrar, minha família já avisava das situações que eu poderia passar, e isso que é o pior. A gente já ser avisado por gerações que passaram por isso nas escolas e creches e a situação continuar a mesma”.

Para essas três mulheres, ser mulher e preta no Brasil (e fora dele) é estar constantemente lutando para provar seu valor. “Tenho muito orgulho de ser quem sou e de onde venho, mas é um desafio constante e cansativo, quer você esteja no seu país ou não. Desde cedo somos subjugadas e não existe um dia de descanso onde possamos não pensar nos obstáculos que a sociedade coloca em nossos caminhos somente pelo gênero e cor de nossas peles”, pontua Bel.

Soffia alerta ainda para a importância de continuar batalhando para que seu trabalho, no caso a arte que produz, chegue em espaços cada vez maiores. No processo, a MC conta que estender o braço para outras mulheres que também estão na luta é fundamental. “As coisas são lentas, a gente está sempre tendo que mostrar que temos talento, que somos capazes. Continuem e ajudem pessoas que estão tentando subir para que elas consigam ajudar mais pessoas a subir, e te ajudarem durante o processo também. Eu gosto muito da MC Stefanie, ela está no Rap há anos e só recentemente conseguiu gravar o primeiro clipe, sendo que tem artista lançando clipes toda hora, porque tem essa voz. Espero que ela continue nessa luta, porque infelizmente é assim, existem mulheres que são silenciadas, mas nós estamos lutando para conquistar nossa voz, e vamos conseguir juntas”.

Falando em luta, essas mulheres acreditam no poder do movimento “Vidas Negras Importam”, mas frisam que o resultado só virá se as ações de apoio das pessoas brancas continuarem para além das postagens.

“Espero que esse movimento não seja só uma tendência, que apoiar uma pessoa negra não seja apenas um momento de ‘vou postar’. Espero que seja algo real, que as pessoas leiam conteúdos de pessoas negras, sigam pessoas negras, leiam o livro de uma pessoa negra, assistam filmes com culturas de pessoas negras. Somos sim uma cultura diferenciada, e tenho certeza que se as pessoas estudassem mais a fundo não teria essa discriminação e racismo que sofremos hoje. Espero muito que esse movimento seja levado para frente”, relata Carol.

Bel Oliveira também teceu seu comunicado para as pessoas brancas que se afirmam antirracistas. Em momentos de grande reflexão como esse, cabe a todes brancos ler com atenção e incorporar essa luta com mais potência no dia a dia. Ao em vez de selecionar trechos, a repórter responsável por essa matéria decidiu que não cabia à ela editar, já que este texto precisa ser lido na íntegra, por ela e todos que acessam a todateen.

Antes de mais nada é preciso compreender que você, pessoa branca, é racista – ainda que não queira ou não se veja como tal – porque é produto de uma sociedade que normaliza e justifica as próprias contradições através do racismo e da manutenção de privilégios. Ser antirracista não é um processo que acontece do dia para a noite ao ajudar a subir hashtags nas redes sociais e militar virtualmente, de dentro do espaço seguro e privilegiado de sua casa.

Ser antirracista requer práxis, aplicar as teorias aprendidas na vida real. Quando um problema não nos atinge diretamente, é fácil empurrá-lo para debaixo do tapete ou ainda minimizar a importância de ações para combatê-lo. Quais medidas você, pessoa branca, tem tomado para fortalecer os movimentos e sujeitos que lutam contra o racismo? É preciso lembrar que as opressões não tiram um dia livre para nos deixar em paz, portanto o seu engajamento real deve começar hoje, agora. Apoie pessoas negras, abra caminhos para que possamos ser reconhecidas e respeitadas em pé de igualdade nos espaços que você frequenta, indique, leia, aprenda.

Entenda que evocar lugar de fala não é desculpa para não se manifestar diante de injustiças que nos massacram. Ouça quem sofre diretamente com um problema que não é causado por nós mas não espere por nenhuma aula, afinal estamos ocupados tentando sobreviver. Existem várias atitudes “sutis” que já não podem mais ser toleradas mas poderia citar, por exemplo, o fato de que quando algumas pessoas brancas são acusadas de serem racistas, dizem que aquilo tudo não passou de uma “brincadeira”, ou ainda quando expomos casos de racismo nas redes sociais (ou pessoalmente) e pessoas brancas vem dizer que entendem perfeitamente porquê sofrem ao serem “brancas demais” também é inaceitável, já que ser branco demais não retira nenhum direito ou oportunidade no mundo em que vivemos, ao passo que ser preto é motivo suficiente para não ter ou perder muitas coisas, inclusive a vida. São muitos os exemplos mas cabe sempre o bom senso antes de fazer essas colocações.

Lembre-se que ser antirracista na prática (e não apenas numa modinha) só depende você mas ajudará a todos nós.

Vidas Negras Importam!

Siga Bel, Carol e Soffia nas redes sociais e acompanhe a produção de conteúdo de cada uma delas.

Bel Oliveira

Instagram: @belferroliv
YouTube: BelQueSeQuis

Carol Andrade

Site: diariodeumagorda.com.br
Instagram: @diariodeumagoorda
YouTube: Diário de uma Gorda

MC Soffia

Instagram: @mcsoffia
YouTube: MC Soffia

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