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Cultura do estupro: por que a culpa parece ser sempre da mulher?

Cultura do estupro: por que a culpa parece ser sempre da mulher?
Cultura do estupro: por que a culpa parece ser sempre da mulher?

Aviso de gatilho: o texto abaixo aborda assuntos sensíveis. Se você não estiver em um bom momento, deixe a matéria para depois.

Nos últimos dias, o país se revoltou com a sentença do caso de Mariana Ferrer, que se deu na 3ª Vara Criminal de Florianópolis. O site The Intercept Brasil divulgou detalhes da sessão de audiência na última terça-feira (3), revelando que o juiz Rudson Marcos absolveu o réu André Aranha da denúncia de estupro. Com o argumento de que a relação foi consensual, a defesa do empresário exibiu na audiência fotos consideradas sensuais feitas pela jovem antes do episódio de estupro. Na ocasião exibida pelo portal de notícias, o advogado Cláudio Gastão chega a dizer que a menina tem como “ganha-pão” a “desgraça dos outros”. O juiz não repreendeu este ato. Em determinada altura da audiência, a jovem chegou a implorar ao magistrado por respeito. “Excelentíssimo, estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”. 

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Para o Ministério Público, não há “indicação nos autos acerca do dolo”, uma vez que a vítima não aparentaria estar fora de seu estado normal, “não afigurando razoável presumir que soubesse ou deveria saber que a vítima não deseja a relação” – linha de defesa que o Intercept chamou de “estupro culposo”, termo que viralizou nos últimos dias. O MP disse, porém, que a absolvição não foi baseada no argumento de “estupro culposo”, mas “por falta de provas de estupro de vulnerável”.

Aqui, na todateen, analisamos em conjunto com uma profissional o que levou à conclusão de falta de provas, mostrando o obstáculo que as vítimas passam para provar que sofreram violência. Entretanto, o que acontece no tribunal é fruto de um pensamento enraizado na sociedade que precisa ser desconstruído, e cada vez mais, denunciado.

Para gerar ainda mais reflexão sobre o que o caso de Mari Ferrer revela sobre as mudanças que precisam ser feitas na sociedade, conversamos com a Doutora Natália Veroneze (@natalia.veroneze), advogada que atua apenas com clientes mulheres nas esferas penal, trabalhista e de família, bem como Elaine Caparróz, candidata à vaga de vereadora em São Paulo, ativista de direitos das mulheres e líder nacional das mídias sociais do Justiceiras (@justiceirasoficial), um projeto que segue com o intuito de apoiar as mulheres que passaram por situações de violência.

Cultura do estupro

O termo utilizado desde a segunda onda feminista, em 1970, traz à tona uma série de comportamentos sutis em nossa cultura que perpetuam a violência contra a mulher, em todas as suas esferas. “Um exemplo disso é que no Brasil, até 2002, nosso Código Penal entendia o estupro como um crime contra os costumes, ou seja, o que era preservado era a ‘imagem social’ da vítima. A punição era decorrente da vergonha que a mulher (ou sua família) passava por ter tido sua honra violada, e não em decorrência da dor física e psíquica que esse crime traz”, afirma a doutora Veroneze.

Então o peso sob a honra da mulher tornava as denúncias eficazes? Não! A advogada completa: “Muitos estupradores e assassinos eram absolvidos com base na ‘legítima defesa da honra’ nos casos onde os maridos assassinavam as esposas ao descobrirem uma traição, sem mencionar o que ronda o imaginário popular acerca dos ditos ‘crimes passionais’ que seriam cometidos por um homem que amava a vítima. Essa autorização da violência contra as mulheres com base no ‘amor’ que o agressor sente é inadmissível hoje em dia, porém ainda vemos muitas pessoas usarem o fato de estarem apaixonadas para justificar os crimes mais monstruosos”.

Se você leu e não lembrou da série “Coisa Mais Linda”, disponível na Netflix, sugerimos que confira a história protagonizada pela atriz Fernanda Vasconcellos em sua jornada de emancipação. “Quem ama, cuida. Não é amor quando existe violência numa relação e é doentio aceitar uma tese que absolva um criminoso pelo fato de ele ter sentimentos pela vítima”, pontua Veroneze.

A culpa não é da vítima

“Nossa cultura enxerga as mulheres como objeto de desejo, bem como propriedade do homem, fazendo com que esse tipo de conduta condenável vá contra todos os direitos da liberdade sexual já conquistados em nossa sociedade”, afirma Elaine Caparróz. A candidata à Câmara dos vereadores já passou por uma situação de violência e acredita que a mudança nos altos índices de feminicídio é possível, desde que venha acompanhada de transformações políticas. “Infelizmente ainda teremos que lutar contra essa ideologia, mostrando que o corpo da mulher pertence exclusivamente a ela, ou seja, seu corpo suas regras, e cabendo apenas a ela decidir o que quer independente de sua aparência física, roupa ou local onde se encontra, pois não é não, simples assim”.

Mesmo que o caso de Mari Ferrer tenha mostrado a tentativa de colocar a culpa do estupro na vítima, o consentimento não é um termo subjetivo na legislação brasileira. “Nada justifica a violência contra as mulheres. Nem suas experiências sexuais anteriores, nem a roupa que ela estava usando, nem mesmo fotos com poses mais sensuais. Se ela não tinha capacidade para consentir, ou se disse não, tudo que acontece depois é violência”, afirma a doutora Veroneze.

Atualizações na definição de estupro

Segundo a advogada, desde 2009, o estupro não é só quando há uma penetração forçada! O crime se caracteriza quando um homem ou uma mulher passam a constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, de acordo com o artigo 213 do Código Penal Brasileiro. O estupro pode levar o autor a uma pena de, no mínimo, 6 anos de reclusão, podendo alcançar uma pena de até 30 anos de prisão, quando também acarreta danos físicos ou a morte da vítima.

A doutora explica que a lei prevê que essa violência é presumida quando a vítima é menor de 14 anos, quando tem alguma deficiência física ou mental ou quando não é capaz de responder por seus atos, por estar sob efeito de entorpecentes ou bebida alcoólica, como no caso emblemático da Mari Ferrer, que apresentou indícios de que foi dopada contra sua vontade e, portanto, encontrava-se sem condições de reagir ou consentir com o ato sexual.

Outro ponto importante levantado por Veroneze é de que em 2018 houve uma nova alteração do Código Penal com a inclusão do crime de importunação sexual, que pune casos onde não existe violência física, mas apenas ato libidinoso, como toques, abraços ou beijos forçados, comuns no Carnaval, por exemplo. A mesma alteração de 2018 também incluiu penas mais severas aos crimes de estupro coletivo (que ocorre quando duas ou mais pessoas cometem um estupro contra a vítima) e o crime de estupro corretivo, que acontece quando o ato serve para controlar o comportamento sexual da vítima, como no caso de homens que estupram mulheres lésbicas para puni-las por sua orientação sexual.

Por que há falhas no tribunal?

A doutora Veroneze explica também a causa de que, mesmo com tantas atualizações, o tribunal absolva réus de estupro, e o problema está nas pessoas que aplicam essas leis. “Isso acontece porque nosso sistema ainda é composto por agentes machistas e que não entendem que a vítima precisa de acolhimento e apoio. Ainda, muitas mulheres sentem vergonha de fazer a denúncia, ou medo, quando o crime é cometido pela pessoa responsável pelo sustento da família”.

“Precisamos de um Estado que capacite os agentes para acolher essas mulheres. Cada vez que uma vítima é tratada como culpada, como a Mari Ferrer foi durante sua audiência, mais mulheres passam a acreditar que serão revitimizadas se fizerem a denúncia. Mas por outro lado, a reação da sociedade a esse caso nos mostra que o tempo onde isso era aceitável já acabou”, completa a advogada.

Apesar de provas serem relevantes como em qualquer caso, o depoimento de uma vítima já é suficiente para culpabilizar o réu em nossa legislação. “Temos, inclusive, uma proteção legal que garante que a palavra da vítima deve ser levada em consideração quando as demais provas não forem suficientes. Esse é um crime que geralmente ocorre em locais íntimos e pode não deixar vestígios nem ter testemunhas”, finaliza Veroneze.

Quer acompanhar mais sobre os direitos da mulher na área penal? O site da doutora Natália Veroneze é esse aqui: nataliaveroneze.com.br

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