Bastou a Queen B surgir em uma campanha usando o intocável diamante amarelo Tiffany & Co de 128,54 quilates, encontrado em 1977, na África do Sul, para que os termos “Afropatys” e “Pretas Patrícias” reacendessem nas redes sociais.
E é claro que a TodaTeen não ia deixar esse assunto passar batido, né? Para gente entender o que é, o que representa e, principalmente, de quem estamos falando, batemos um papo (incrível) com a MC Taya, multiartista, focadíssima no contexto histórico da estética negra e dona dos hits “Preta Patrícia” e “Perigosa”, seu mais novo single.
Necessária e cheia de talentos, Taya nasceu no subúrbio carioca destinada a ganhar o mundo. “Eu me considero artista desde criança. Na adolescência, passei a escutar rock e tive uma banda até os 17, 18 anos. Também gostava muito de funk e de rap. O Rio de Janeiro é isso, a gente vive essa cultura de efervescência. Minha paixão pela moda se deu quando percebi que todos esses ritmos que eu gostava tinham uma diferença e isso ficava nítido nas combinações, nos cabelos, nas cores”, explica.
Aprovada no vestibular de artes cênicas e figurino na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Taya percebeu toda questão artística por trás da moda. “Não é somente o capitalismo para vender uma roupa. É a indumentária, é você vestir uma pessoa pela personalidade dela. Nesse período eu entrei para o movimento feminista, coletivo negro, descobri várias ‘Tayas’ e passei a falar sobre isso na internet”, conta.
“Falava sobre a minha vivência, a minha relação com o feminismo negro, como ser uma mulher negra de periferia no Rio de Janeiro e isso chamou a atenção de outras garotas. Meu olhar sempre foi sobre a perspectiva da arte, da moda. Eu passei a resgatar a estética negra ainda no Facebook, pesquisava a fundo sobre o cabelo black, box braids, elementos de composição e o por qual motivo passamos tanto tempo detestando isso, como o racismo se apresentava de forma tão forte ao ponto de apagar uma identidade cultural”.
Afropaty ou Preta Patrícia?
Entre uma conversa e outra, uma festa aqui, outra acolá, em 2016, Taya começou a ouvir o termo “Preta Patrícia” em terras cariocas, em referência às meninas negras “patricinhas” no sentido de condição financeira mesmo. Herdeiras, moradoras da zona sul. O conceito era sobre classe e elegância em uma “província colonial”.
“Quando me mudei para São Paulo, em 2018, escutei o ‘Afropaty’ pela primeira vez. E nessa época passei a ter um estilo de vida completamente diferente do que eu tinha no Rio de Janeiro. Foi quando minha carreira começou a deslanchar e eu pensei: ‘caramba, estou virando uma Preta Patrícia’, e daí o insight para escrever a música”, conta, aos risos.
A canção, escrita no caminho de casa ao trabalho, é autobiográfica e traduz a caminhada de Taya, mas, de forma bem carinhosa, também abraça o coletivo. “Eu sabia que muitas meninas iriam se identificar. Não queria que parecesse fútil, meu objetivo era que as pessoas entendessem que a Preta Patrícia não é uma Preta Patricinha igual as brancas. Ela não herdou e até aquelas que herdaram, tiveram avós, bisavós escravizadas”, explica.
“Aquilo tinha um peso. Não é sobre beleza, é sobre correr atrás, é entender que somos deusas, filhas de mulheres escravizadas, que temos sangue de Dandara. Que as coisas não acontecem do dia para a noite, que tudo foi construído atrás de muito sangue e suor. Essa era a parte política que eu precisava incluir”.
“Minha dificuldade em voltar para música foi justamente aliar a diversão com mensagem, política com o lado mais calmo. Eu escrevi essa música no início de 2019 e desde então venho colhendo muitos frutos com ela”, celebra.
Bombando nas redes sociais
Quem também conversou com a gente foi Josy Ramos. Mulher, negra, carioca, de 28 anos. Hoje ela está entre um dos principais nomes da geração de influenciadores digitais e há seis anos também se entende como “Preta Patrícia”.
“Lembro que lá em 2018 fiz uma série de stories sobre ser Preta Patrícia, onde eu questionava o porquê de incomodar tanto as pessoas quando uma mulher preta se veste bem e tem uma autoestima boa. Não vemos esse mesmo estranhamento como mulheres brancas já que, historicamente, sempre foi muito comum vê-las assim. Quando nós, mulheres negras, aparecemos com nossas conquistas, muitas vezes vemos comentários do tipo ‘essa perdeu a essência’, ‘nossa como é esnobe’, provando como a sociedade ainda quer nos colocar em um lugar de sofredora e simples”, afirma.
Realidade, contexto e história!
Se nos Estados Unidos o movimento se deu quando os afrodescendentes, com alto poder aquisitivo, recebiam um título simbólico de príncipes ou princesas (black american princess ou BAP), aqui no Brasil a história é bem diferente.
O espaço, que reúne aquelas que buscam por ascensão socioeconômica, pluralidade, pertencimento estético e conexão com suas raízes, vai muito além de beleza, dinheiro ou o uso de uma lace, maquiagem bonita e roupas caras. É um combo de humildade e inteligência de saber onde se deseja chegar. Gana e ambição, são palavras que valem ouro.
“O conhecimento é fundamental. E quando eu digo conhecimento, nem sempre é só do acadêmico. A cultura negra preza por sabedoria e ancestralidade”, pontua Taya.
Já Josy também explica que o conceito é muito mais profundo. “A Preta Patrícia é a mulher que trabalha e conquista sim os seus luxos, mas também colabora para que outras mulheres negras tenham cada vez mais sucesso”.
E olha só quem está na sua listinha de inspirações: Rita Carreira, Luiza Brasil, Amanda Mendes e Irlaine.
Que fique claro, ser uma preta patrícia não irá te isentar do racismo. “Nem a mim, nem a Ludmilla, nem a Beyoncé e nenhuma mulher ou homem negro. O dinheiro nunca livra a gente de nada, a classe social nunca vai nos livrar de nada. Ameniza a situação, melhora – e muito – mas o racismo está na frente, a raça está na frente”, finaliza Taya.